No Mosteiro de São Tiago Mutilado, na vila de Qara, na Síria, perto da fronteira com o Líbano, a noite passada foi de festa mal se soube do cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah. A razão é simples: desde há muito que estas religiosas rezavam dia e noite pelo fim da guerra e o facto de se ter chegado a um acordo precisamente no dia em que se comemora este santo mártir, foi visto “como um milagre”. A Irmã Maria Lúcia Ferreira, mais conhecida como irmã Myri, lembra, no entanto, que o Líbano precisa muito de ajuda e que há, por exemplo, muitas “aldeias cristãs destruídas”.
Percebe-se alegria na voz. A Irmã Maria Lúcia Ferreira, que vive no Mosteiro de São Tiago Mutilado, na vila de Qara, muito perto da fronteira com o Líbano, mal soube da confirmação de que havia mesmo um acordo de cessar-fogo entre Israel e a milícia do Hezbollah, gravou uma mensagem que enviou para a Fundação AIS em Lisboa, pois queria partilhar o sentimento de festa, e de alívio também, pelo fim da guerra na região. E fala mesmo em “acção de graças”.
Na mensagem, a religiosa portuguesa, que é mais conhecida como Irmã Myri e pertence à Congregação das Monjas da Unidade de Antioquia, sublinha o facto de o acordo para a suspensão das hostilidades ter sido aprovado após uma noite particularmente violenta. “Estamos em acção de graças pelo que aconteceu no Líbano, apesar de que houve uma noite muito difícil, com muitos bombardeamentos, com muitos mortos”, diz a irmã, acrescentando, no entanto, o mais importante: “foi também a noite do cessar-fogo e [isso] foi visto como um milagre”. Milagre porquê? É que o acordo que colocou, mesmo que provisoriamente, o fim aos combates, aconteceu no dia de São Tiago Mutilado, o santo que é venerado e que empresta o seu nome ao mosteiro em Qara. “Para nós é muito significativo, porque é o dia de São Tiago Mutilado, é como que as nossas orações tenham sido ouvidas e houve este cessar-fogo que foi assim um bocadinho como um milagre”, afirma a religiosa portuguesa.
“HOUVE IGREJAS DESTRUÍDAS…”
Na mensagem de voz enviada para Lisboa, a Irmã Myri lembra, no entanto, que há muito a fazer no Líbano face à destruição causada desde 23 de Setembro, quando o exército de Israel entrou no país no encalço das milícias do Hezbollah. “O Líbano precisa muito de ajuda ainda, porque houve igrejas destruídas, aldeias e vilas destruídas, aldeias cristãs, muita gente… eles querem logo voltar às suas casas, claro, mas há muita coisa a reconstruir. E há muita gente na rua e a ajuda é necessária”, garante. No entanto, apesar de tudo, para a irmã portuguesa, o mais importante para já é celebrar a paz e rezar para que o tempo sem combates se mantenha pelo menos durante os dois meses acordados entre Israel e o Hezbollah. “Ao menos, temos de agradecer ao Senhor por esta trégua e continuamos a pedir que ela continue por dois meses, foi esse o acordo, e esperemos que [a guerra] pare. Esperemos que seja assim. Continuamos a rezar por isso. Mas no dia de hoje, ao menos, agradecemos pela graça deste cessar-fogo, porque estava a ser qualquer coisa de muito, muito, muito difícil”, afirmou.
“OBRIGADO PELO VOSSO APOIO”
Esta mensagem vem reforçar o apelo às orações pela paz que a coordenadora de projectos da Fundação AIS no Líbano enviou também no dia de ontem. Marielle Boutros manifestou o seu contentamento pelo acordo de cessar-fogo, mas pediu que se rezasse para que a paz seja mesmo uma realidade duradoura neste país e em todo o Médio Oriente. Tal como a religiosa portuguesa, também Marielle salientou que o acordo foi conseguido após uma noite particularmente violenta de bombardeamentos. “Ontem foi um dia terrível, o pior, mas estamos muito gratos porque hoje às 4h da manhã deu-se o cessar-fogo. Obrigada pelo vosso apoio, obrigada pelas vossas orações e, por favor, continuem a rezar pela paz no Médio Oriente e no Líbano”, disse, em menos de meio minuto, numa mensagem vídeo, a jovem coordenadora de projectos da Fundação AIS neste país do Médio Oriente, que se viu arrastado para a guerra, desde 23 de Setembro. Desde então, e até 27 de Novembro, data do cessar-fogo, já se registaram milhares de mortos e feridos e há um número muito elevado de deslocados.
DIOCESES NA LINHA DA FRENTE
A situação no país é muito delicada e grave. Desde 23 de Setembro, quando começou a operação militar por parte de Israel, há a contabilizar vários milhares de mortos – cerca de 3.800 segundo o ministério da Saúde do Líbano – e mais de 15 mil feridos, além de um número impressionante de deslocados. Ainda recentemente, no final de Outubro, numa conferência online promovida pela Fundação AIS Internacional, Marielle Boutros falava do cansaço, da exaustão física e psicológica até dos que têm procurado ajudar as populações vítimas da guerra no Líbano. “Neste momento, temos 1,5 milhões de pessoas deslocadas, ou seja, um em cada quatro cidadãos do país, a maioria concentrada na região do Monte Líbano. São acolhidas em abrigos como escolas, igrejas, centros de retiro ou casas particulares. Precisam de tudo: comida, medicamentos, água, roupa, produtos sanitários, porque saíram de casa muito depressa e não levaram nada consigo”, explicou. Com muitos dos refugiados a fugirem para zonas cristãs, as dioceses locais têm estado na linha da frente da prestação de assistência.
CAMPANHA “SOS LÍBANO”
A Fundação AIS desenvolve actualmente 15 projectos com as dioceses e ordens religiosas mais afectadas que estão a cuidar destes deslocados internos. As escolas católicas, que permaneceram todas abertas, quer fisicamente quer online, continuam a ser uma grande prioridade para a AIS, porque muitas famílias não conseguem pagar as propinas, mas os professores ainda precisam de receber os seus salários no final do mês.
“Se queremos reforçar as comunidades cristãs da região, temos de nos concentrar nas instituições cristãs do Líbano. Para além de todo o trabalho pastoral que já está a ser feito pelas dioceses e pelas ordens religiosas, o sistema educativo é muito importante. Se há alguma coisa que está de pé no Líbano neste momento, são as escolas católicas”, explicou, nessa conferência no final de Outubro, Marielle Boutros.
Recorde-se que a Fundação AIS em Portugal lançou mesmo um grande apelo aos benfeitores e amigos da instituição no nosso país para apoiarem, com a sua generosidade, à Igreja do Líbano que tenta acudir a todo este sofrimento. No início de Outubro, Catarina Bettencourt, a responsável do secretariado português da AIS, sintetizava a urgência desta ajuda, lembrando que o país atravessa “uma hora de aflição”. “É preciso ir em socorro dos que mais sofrem é preciso ajudar as famílias cristãs que estão assustadas e de mãos completamente vazias. A vossa ajuda é essencial, tal como as vossas orações. Muito obrigada, uma vez mais, por todos os gestos de carinho e solidariedade que os portugueses têm dado à Igreja que sofre no mundo”, conclui nessa mensagem a responsável do secretariado português da fundação pontifícia. Uma ajuda que tem sido acolhida com muita gratidão no Líbano. Resta agora saber se o cessar-fogo agora acordado é mesmo o início de um tempo de paz.
Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal