ARCEBISPO DE ÉVORA

SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO

Basílica Metropolitana de Évora 08/XII/2023

Ordenação Diácono Tomás Dias

Com que alegria celebramos em Tempo de Advento a Solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora! Fazemo-lo na contemplação da beleza d’Aquela que, na História da Salvação, nos é oferecida por Cristo como Mãe e Ícone da Igreja e de cada Cristão. Fruto de uma compreensão constante do papel de Maria, o Papa Pio IX, a 8 de dezembro de 1854 definiu solenemente na Bula “Inefabilis Deus” que «a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus omnipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, foi preservada imune de toda a mancha do pecado original (…)».

Refletindo sobre esta definição, o Papa Francisco explicou-nos que «Maria foi preservada do pecado original, isto é. Daquela fratura na comunhão com Deus e com os outros, e com o que foi criado, que fere profundamente todo o ser humano». Para o Santo Padre, esta fratura «foi sanada antecipadamente na Mãe d’Aquele que veio para nos libertar da escravidão do pecado. A Imaculada está inscrita no desígnio de Deus; é fruto do Amor de Deus que Salva o mundo». O Papa lembra-nos ainda que Maria, proveniente de Nazaré, pequena localidade da Galileia, na periferia de Israel e ainda mais do Império Romano, nunca se distanciou todavia do Amor de Deus, toda a sua vida e todo o seu Ser é um SIM a esse Amor, é um SIM a Deus. Recorda-nos o Bispo de Roma, que «também nós, desde sempre, fomos escolhidos por Deus para viver uma vida santa, livre do pecado. É um projeto do Amor que Deus renova cada vez que nos aproximamos d’Ele, especialmente nos Sacramentos.»

Assim, «contemplando a beleza da nossa Mãe Imaculada, reconhecemos também a nossa vocação mais autêntica e profunda: sermos amados, sermos transformados pelo Amor, sermos tocados e transformados pela beleza de Deus. Deixemo-nos por isso, guardar por ela, para aprendermos a ser mais humildes, e também mais corajosos no seguimento da Palavra de Deus; para colhermos o terno abraço do Seu Filho Jesus, um abraço que nos dá vida, esperança e paz».

O Livro do Génesis, relata-nos a rutura da relação transparente de Deus com a Humanidade, representada em Adão e Eva. Nesta metáfora está representada a sede que a humanidade, constantemente revela, de ocupar o lugar de Deus na criação, de assumir o controlo total do mundo e de dominar o seu próprio destino. Neste contexto bíblico, anuncia-se a vitória de uma Mulher que frequentemente os Padres da Igreja identificam com a Igreja e com Maria. A Mulher é apresentada e é pré-anunciada como a nova Eva, aquela que será a Mãe do Redentor, Aquele que virá repor toda a criação na fidelidade ao projeto original de Deus, no dizer de santo Irineu de Lion, “recapitular todas as coisas em Deus”.

Esta profecia vetero-testamentária cumpre-se em nazaré. Longe dos olhares humanos. Maria é proclamada cheia de Graça. Ao aceitar a Palavra de Deus, Ela dispõe-se a trazer a salvação de Deus o Emanuel ao meio dos homens.

          Deus não impõe, mas propõe, como fez com a Virgem de Nazaré. Se n’Ela, Deus quis precisar do seu SIM para que o Verbo de Deus, se formasse e se fizesse homem, Jesus Cristo nascendo como Redentor de todo o Homem e do Homem todo, hoje, a caminho do Natal, a Palavra do Senhor convida-nos a deixarmos que essa mesma Palavra gere Jesus nos nossos corações e nas nossas vidas para que, como discípulos missionários, O possamos anunciar, testemunhar e transmitir, para salvação de muitos e de muitas. Eis o apelo: deixar que Cristo se forme em nós para que sejamos discípulos missionários, com testemunhos de vida contagiantes, sempre na Alegria do Evangelho. «Grande maravilha fez por nós o Senhor, por isso, exultamos de alegria!». É no testemunho desta alegre esperança, que revelamos o rosto sempre novo da Igreja.

O que é singular em Maria tem validade e, sobretudo, luminosidade para a globalidade da Igreja, O que Maria será o que cada Comunidade eclesial é convidada a ser continuamente. Para Cristo, Maria é a segunda Eva, aquela que restaura, pela sua obediência, o que a primeira havia corrompido pela sua desobediência; assim, ela é a verdadeira colaboradora da obra salvífica de Cristo e o “recetáculo” da Igreja, como lembra Santo Ambrósio.

Na segunda leitura, o Apóstolo São Paulo proclama aos Efésios a sua vocação à Santidade, enquanto Filhos de Deus, herdeiros da Eternidade e Pedras Vivas da Igreja de Cristo. A nossa vocação batismal insere-nos na Igreja e faz de cada um de nós membros vivos do Povo de Deus. A eclesialidade é uma referência incontornável para os discípulos missionários: «Não pode ter Deus por Pai, quem não tiver a Igreja por Mãe» ensina S. Cipriano de Cartágo.

Quem quiser encontrar um modelo para a sua vivência batismal e eclesial tem em Maria a referência maior e o auxílio supremo. É que Maria pertence à Igreja, verdade que nem sempre parece ser valorizada. Ela é parte do mesmo Povo santo de Deus que formamos e o membro mais eminente da Igreja, porém não está fora dela ela é connosco, discípula, Mãe, testemunho e Mestra. É Igreja.

Caro Tomás Tomaz da Costa Patrício Dias, a conclusões até então apresentadas pelo Sínodo sobre a Sinodalidade dizem-nos que os Diáconos e presbíteros estão comprometidos nas mais diferentes formas do ministério pastoral: o serviço nas paróquias, a evangelização, a proximidade aos pobres e marginalizados, o compromisso no mundo da cultura e da educação, a missão ad gentes, o estudo teológico, a animação de centros de espiritualidade e muitos outros. Numa Igreja sinodal, os ministros ordenados são chamados a viver o seu serviço ao Povo de Deus numa atitude de proximidade às pessoas, de acolhimento e de escuta de todos e a cultivar uma profunda espiritualidade pessoal e uma vida de oração. São chamados, sobretudo, a repensar o exercício da autoridade seguindo o modelo de Jesus que, «sendo de condição divina, […] esvaziou-se a Si mesmo, assumindo a condição de servo» (Flp 2,6-7). A Assembleia reconhece que muitos presbíteros e diáconos, com a sua dedicação, tornam visível o rosto de Cristo Bom Pastor e Servo.

Um obstáculo ao ministério e à missão é constituído pelo clericalismo. Este nasce da má compreensão do chamamento divino, que leva a concebê-la mais como um privilégio que como um serviço, e manifesta-se num estilo de poder mundano que se recusa a prestar contas. Esta deformação do sacerdócio deve ser contrastada, desde as primeiras fases da formação, através de um contacto vivo com a quotidianidade do Povo de Deus e de uma experiência concreta de serviço às pessoas mais necessitadas. Hoje, não se pode imaginar o ministério do presbítero, a não ser em relação com o Bispo, no presbitério, em profunda comunhão com os outros ministérios e carismas. Infelizmente, o clericalismo é uma atitude que pode manifestar-se não apenas nos ministros, mas também nos leigos.

A autoconsciência das próprias capacidades bem como dos próprios limites é um requisito para se comprometer no ministério ordenado com um estilo de corresponsabilidade. Por isso mesmo, a formação humana deve garantir um percurso de conhecimento realista de si mesmo, que se integre com o crescimento cultural, espiritual e apostólico. Neste percurso, não se deve subvalorizar o contributo da família de origem e da comunidade cristã, dentro da qual o jovem amadureceu a sua vocação, e de outras famílias que acompanham o seu crescimento.

Os presbíteros são os principais cooperadores dos bispos e formam com eles um único presbitério (cf. LG 28); os diáconos, ordenados para o ministério, servem o Povo de Deus na diaconia da Palavra, da liturgia, mas sobretudo da caridade (cf. LG 29). Em relação a eles, a Assembleia exprime, antes de mais, uma profunda gratidão. Consciente de que podem experimentar solidão e isolamento, recomenda às comunidades cristãs que os apoiem com a oração, a amizade, a colaboração.

Caros Irmãs e Irmãos, o Papa Francisco tem insistido na identidade missionária dos discípulos de Jesus Cristo, lembrando-nos que somos discípulos missionários e não discípulos e missionários, pois não existem discípulos não missionários. Ora a missão é a vocação a que o Senhor nos convida a viver na família, na sociedade e na Igreja, por isso a pastoral vocacional é transversal ao catecumenado cristão pré ou pós-batismal, na catequese das diversas etapas da vida, em todas as comunidades cristãs, Associações de fiéis ou movimentos eclesiais.

Na “estrada de Damasco”, Saulo ao encontrar-se com Cristo, descobria simultaneamente o mistério da Comunidade Cristã, «Eu sou Cristo a quem tu persegues nos meus irmãos» (ACT 9, 5) e a sua vocação «Ai de mim se não Evangelizar» (1Cor 9,16), por isso quando nos encontramos com Cristo Ressuscitado, percebemos também o mistério da Igreja e da nossa vocação concreta no contexto da missão.

É sempre tempo favorável, Kairós, para nos abrirmos ao chamamento

do Senhor, ou para renovarmos a alegria do SIM que um dia demos. Eis-nos perante o desafio de renovarmos a Alegria do Evangelho o SIM constantemente dado e de continuarmos a ser Comunidades em saída, instrumentos de Cristo pela convocação e pelo chamamento. Nós somos hoje o “Vem e segue-me” de Cristo!

Que a Imaculada Virgem Maria, esteja sempre presente, como Mãe e educadora nesse SIM.

+ Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

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