O P. Mário Tavares de Oliveira, da Arquidiocese de Évora, está a participar na JMJ – Jornada Mundial da Juventude e partilha as suas crónicas sobre o que acontece por estes dias em Lisboa:

JMJ – CRÓNICA 1

VOAR NAS ASAS DESTE ESPÍRITO

Foi em Czestochowa, santuário da Virgem Negra, na Polónia, em 1991, que assumi que o meu tempo de ser jovem tinha passado e que nunca mais me apanhavam em coisas destas. Uma multidão de dois milhões de jovens emoldurava uma JMJ cheia de horizontes novos: tinha caído o muro de Berlim, João Paulo II era um Papa polaco, o fim da União Soviética dera espaço a muitos países ávidos de reencontrar um novo rumo para a sua história. Pela primeira vez, se viam os jovens de Leste, entusiasmados com o seu futuro e abraçados ao seu Papa, profeta dos novos tempos.

Foi uma experiência magnífica numa cidade sem estruturas nem orçamentos, num país empobrecido e deprimido por décadas asfixiantes. Tudo era difícil em Czestochowa: o alojamento, a alimentação, a higienização… mas tudo era tão fascinante. Aos trinta e um anos, decidi que tais esforços e apertos, filas intermináveis e todo o tipo de desorganização… era para os mais novos.

Assim foi. Nunca participei em mais nenhuma JMJ. Fui sempre acompanhando à distância, apoiando quem ia e com entusiasmo contido. Quando foi anunciada a JMJ de Lisboa, disse logo: – A mim não me apanham lá! Pois… mas a verdade é que dou comigo, desde terça-feira, no coração da Baixa pombalina, rodeado de gente linda, com um entusiasmo crescente por tudo o que está a acontecer em Lisboa, em Portugal, no mundo.

Duas razões me empurraram para aqui: primeiro, as apreensões de muitos lisboetas muito ciosos do seu espaço citadino que anunciaram atempadamente a sua fuga da cidade, horrorizados com a devassa que ia acontecer. Achei vergonhosas muitas dessas declarações de senhores muito civilizados, muito intelectuais e muito in, mas afinal, muito out. Dentro de mim, fui alimentado a ideia: “ai eles saem? … então eu vou!”! Em segundo lugar, o que mais importa, foi a minha malta da paróquia que me empurrou para isto. Toda a preparação do COP de Vendas Novas para acolher nos “Dias da Diocese” os 250 jovens vindos do Brasil, da Alemanha e da França foi uma experiência maravilhosa, de entusiasmo tão crescente quanto inesperado. Dei comigo a congeminar…”- tenho que ir!” E aqui estou, a fazer parte duma onda gigante, que me vai levando de abraço em abraço, de sorriso em sorriso, de oração em oração.

A palavra entusiasmo vem do grego e significa “mergulhados em Deus”. Se tivesse de caracterizar o que está a acontecer por aqui, acho que este termo seria o mais indicado. Em todas as praças, em todos os jardins, em todas as ruas, uma falange de soldados da paz invade a cidade para dizer que a fraternidade existe e que esse é o sonho das suas vidas. Não o anunciam: vivem-no; não o desejam: praticam-no.

Ontem à noite, no Terreiro do Paço, uma banda rock de padres espanhóis levava ao rubro uma multidão de jovens em festa. As bandeiras multicolores anunciavam a festa dos povos. Lembrei-me do convite bíblico: “-Vou preparar-vos um banquete no cimo do monte, para todos os povos da terra!” Ontem, junto ao Tejo, parecia-me ver a profecia em acto desse grande banquete. Essa JMJ de Deus, meta da história, no cimo do monte da eternidade, afinal, começa mesmo a preparar-se aqui.

Houve sempre os aziados que preferiram ficar fora do sonho. No Sinai, alguns preferiram construir um bezerro ouro, no evangelho os fariseus preferiram condenar Jesus, no curso da história muitos decidiram perseguir e tentar aniquilar a Boa Nova do Salvador. Em Lisboa também. Muitos doutores da Lei, muy sábios e progressistas, bradam argumentos contra o que está a acontecer. A mentalidade bafienta não se dá com a aragem purificadora. Nada de novo. Uma ventania do Espírito está a varrer Lisboa e as nossas vidas. E eu quero voar nas asas deste Espírito.

P. Mário


JMJ – CRÓNICA 2 

ADMINISTRADORES DE SONHOS

O tsunami da fé que está a caracterizar a JMJ ultrapassa em muito a cidade de Lisboa e tem-se alastrado a Portugal inteiro. Poucos estariam a pensar que a JMJ alcançasse tão grande dimensão e beleza. Eu próprio fui testemunha dos “Dias na Diocese” na minha paróquia de Vendas Novas onde recebemos 250 jovens brasileiros, alemães e franceses. Tenho-me cruzado com alguns deles na Baixa pombalina, agora em plena Jornada e abraçamo-nos como se nos conhecêssemos desde sempre. De Norte ao Sul, muitas paróquias viveram esses dias de graça que deram o tom para a JMJ. Um manto de esperança foi-se alargando por cidades e vilas, desenhando um rasto de luz deslumbrante. Foram dias indescritíveis e portadores de grandes graças que agitaram muitas localidades e muitas paróquias.

Nas dioceses de acolhimento, Lisboa, Santarém e Setúbal multiplicam-se as vivências organizadas ou espontâneas que levam luz e cor a muitas localidades que se vão constituindo como que uma grinalda à volta do coração da JMJ nos vários cenários previstos na cidade de Lisboa. Chegam-me ecos vários do que está a acontecer em muitos lugares, como uma onda, em crescendo, até à celebração final no Parque Tejo.

Percorro as grandes artérias de Lisboa, desço ao Terreiro do Paço e, para onde quer que vá, há cânticos e preces, acenos e bandeiras que dão mais expressão aos sorrisos que se soltam espontâneos, como hinos de louvor. Há uma agitação no ar, que ecoa por todo o lado, com os sinais da beleza juvenil que entusiasma e enternece.

Logo de seguida, entro nas igrejas. Todas sempre cheias e inundadas de fé que, afinal, palpita nestes corações jovens. Nestes lugares sagrados e de reunião, acontecem catequeses, orações, celebrações da Eucaristia ou momentos de silêncio que são seguidos com interesse e magnetizam os mesmos jovens que vibram agora diante de Jesus que ensina, que toca, que se torna presente.

É precioso ver que estes jovens que gritam, cantam, agitam bandeiras dos seus países e dos seus grupos são capazes de profundos silêncios que causam estremecimentos interiores. Dou comigo a dar graças e a sentir-me desafiado a levar a sério as palavras do Papa nos Jerónimos: “-Não sejais administradores de medos, mas de sonhos!” Esta gente sabe sonhar e sempre que alguém sonha, o mundo pula e avança.

Numa das artérias, um agente da PSP, diz-me: “- Eu conheço-o, de Mora e de Brotas.” Trocámos algumas impressões e confessava-me admirado de não haver distúrbios e de estar tudo a correr tão bem. Os jovens, afinal, quando se juntam, não é só para incendiar carros e partir montras. São capazes de cantar, erguer as mãos, de gritar silêncios e de sonhar.

Há uma esperança genuína numa multidão assim que deveria obrigar a uma reflexão profunda de quem tem a difícil missão de conduzir os destinos do mundo, dos países ou da Igreja. Não levar a sério esta esperança criativa, pode ser fatal.

P. Mário


JMJ – CRÓNICA 3

            OS LABORATÓRIOS E A VIDA REAL

O Tiago empunhava, orgulhoso, uma bandeira da Argentina. O seu grupo era português e não resisti em lhe perguntar: “- És português e levas uma bandeira da Argentina?!” Com um entusiasmo que não conhece fronteiras, disse-me que tinham estado a confraternizar com um grupo argentino e, no fim, trocaram de bandeiras: os argentinos levaram a bandeira de Portugal e eles ficaram com a bandeira da Argentina.

Multiplicam-se os gestos duma fraternidade universal que não é programada nem orçamentada. Quanto custará a fraternidade dos povos? Estes jovens têm razões para estar aqui que escapam aos críticos de opinião. Não se deixam afectar pelas análises dos comentaristas de ocasião, paralisados nas adjudicações directas, no escândalo do financiamento dum evento católico, no que apelidam de imobilismo hierárquico, etc, etc… Estes jovens andam inquietos com outros assuntos, move-os outros temas, outros sonhos. E não seguem a televisão.

Estamos conscientes do carácter excepcional destes dias. Sabemos que isto não vai ser sempre assim. O coração não ia aguentar. Mas também estamos conscientes da importância destes dias. A normalidade vai chegar em breve, mas o que aqui se está a viver é real e deve levar a leituras aturadas e urgentes. O mundo não é um laboratório, mas as experiências laboratoriais são essenciais para o desenvolvimento do quotidiano. Acho que estes dias são laboratoriais. Faz-se a experiência da fraternidade universal em tubos de ensaio humanos, equaciona-se a solução duma Igreja de todos, procura-se a fórmula da gestão dos sonhos. E tudo isto é real, tudo isto tem um sabor genuíno e autêntico. O virtual ficou em casa. Aqui abraça-se e beija-se, toca-se, levantam-se as mãos e canta-se, trocam-se bandeiras entre irmãos.

O facto de ter vivido em Roma e ter sido vizinho do Papa, leva-me a uma relação “normal” com o Sucessor de Pedro. Não sou capaz de correr 50m barreiras para ir ver o Papa. Tudo o que Ele significa encontra eco no meu íntimo e leva-me a uma paz serena e apaziguadora. Por isso, fico extasiado com a vibração inquieta desta multidão de jovens que corre impetuosa para ver o Papa, que passa horas e horas de espera a guardar o lugar, que chora de emoção porque viram o Papa muito perto: “- olhou mesmo para nós!” E há nisto também uma verdade genuína, um sentido profundo de pertença e de comunhão. É um beijo de Pai que procuram, um frémito de gratidão, um querer dizer: “- Conta comigo!” A vida destes jovens vai ser o que for, mas estes momentos são reais e autênticos. Dou comigo quase a ter uma santa inveja de sentir o que esta gente sente, de saltar barreiras de protecção, de me emocionar como esta gente se emociona.

Acho que é isto que faz com que muitos jovens maduros estejam aqui nesta JMJ. Gosto de ver catequistas e responsáveis de grupos de todas as idades, muitos, já tecnicamente não jovens, mas que não resistem a estar presentes. Ontem à noite, falava disso com dois jovens como eu, sessentinhas, que nos conhecemos doutros cenários e nos encontrámos, casualmente, na rua Augusta. Os dois são viciados em JMJ’s. Já foram a várias e vão participar nas próximas, mesmo que os pés já lhes doam. “-É que isto dá-nos anos de vida!”. Sim, isto é vital! S. Francisco tinha mesmo razão: “É dando que se recebe”.

Os cansaços começam a notar-se e vai crescendo o desejo da normalidade. Vai saber bem chegar a casa. Mas por enquanto, é tempo de estar despertos, de recuperar o fôlego, de desfraldar as bandeiras porque ainda há muito para viver por aqui. Muitos ainda estão a chegar. A alma da JMJ é um puzzle e cada peregrino é uma peça essencial para o rosto desta Igreja que, afinal, existe porque é real.

P. Mário

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