No final da apresentação do Relatório da Comissão Independente, questionado pelos jornalistas o Arcebispo de Évora afirmou a atitude “de reflexão” em que o relatório coloca a Igreja.

Oiça aqui as declarações do Arcebispo de Évora aos jornalistas:

“Temos consciência de que não foi um processo bem conduzido; que temos de pedir profundo perdão a todos; temos consciência que está tudo a começar, um caminho novo a fazer; temos consciência que foi uma boa opção de partir com realidade e conhecimento dos factos, por isto esta comissão independente. E queremos, de verdade e com todas as nossas forças, dentro da realidade que é a Igreja – que é uma parte da sociedade – fazer com que estas coisas não voltem a acontecer”, explicou D. Francisco Senra Coelho aos jornalistas.

O arcebispo de Évora manifestou-se “chocado com todos os relatos”, mas deu conta que “mais ou menos” se tinha noção dos números, sustentando que deve haver processos sobre os suspeitos que estejam ainda no ativo.

“Não é questão de admitir, tem de haver”, insistiu.

O responsável pela Arquidiocese de Évora admitiu ainda que “os vários pedidos de desculpa” que a Igreja já fez podem não ser “suficientes”.

“A dor não tem prazo para terminar, a dor não caduca”, afirmou, sublinhando a preocupação da Igreja com a dor das vítimas que, reconheceu”, “não prescreve”.

José Souto Moura, presidente da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores reconheceu a dificuldade na investigação das denúncias.

“Parece-me evidente que a falta de elementos que permitam a investigação é muito frequente e isso impossibilita uma investigação. Se não for a vítima a reportar o facto é praticamente impossível investiga-lo”, indicou.

«Resultados do relatório da Comissão não podem ser ignorados»

Já o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) disse que os resultados do relatório final da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica “não podem ser ignorados”.

“Ouvimos coisas que não podemos ignorar. É uma situação dramática que vivemos, não é fácil ultrapassá-la, não nos iludíamos também sobre o que havia de ser, mas queria sobretudo deixar uma lembrança para as vítimas, que é por elas que fizemos tudo isto também”, afirmou D. José Ornelas aos jornalistas, durante o intervalo da apresentação do relatório da CI.

A CI validou 512 testemunhos, num total de 564 recebidos, relativos a casos ocorridos entre 1950 e 2022.

O coordenador da CI, Pedro Strecht, disse em conferência de imprensa, na Fundação Calouste Gulbenkian, que estes testemunhos, apresentados ao organismo entre janeiro e outubro do último ano, apontam a uma rede de vítimas “muito mais extensa”, calculado num “número mínimo, muito mínimo, de 4815 vítimas”.

D. José Ornelas quis afirmar que o seu “primeiro pensamento” se dirigia às “vítimas” e o “segundo para a comissão”, deixando um “grande agradecimento” pelo trabalho realizado por “pessoas competentes, pessoas apaixonadas” e que “viveram emocionalmente tudo o que fizeram”.

“Não se pode passar por isto sem essa emoção profunda e empatia mas trabalharam independentemente porque foram essas as condições desde o início”, sublinhou.

O presidente da CEP remeteu para esta tarde a resposta a mais perguntas indicando que a partir das 16h00, estará, acompanhado por membros do Conselho Permanente do episcopado – que acompanharam a apresentação do relatório final – disponível para uma conferência de imprensa a realizar na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.

Igreja/Abusos: Comissão Independente validou 512 testemunhos e aponta a número «mínimo» de 4815 vítimas, em 70 anos

Relatório final, apresentado em Lisboa, analisou período relativo a 1950-2022

O relatório final da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal, divulgado hoje, dia 13 de fevereiro, validou 512 testemunhos, num total de 564 recebidos, relativos a casos ocorridos entre 1950 e 2022.

O coordenador da CI, Pedro Strecht, disse em conferência de imprensa, na Fundação Calouste Gulbenkian, que estes testemunhos, apresentados ao organismo entre janeiro e outubro do último ano, apontam a uma rede de vítimas “muito mais extensa”, calculado num “número mínimo, muito mínimo, de 4815 vítimas”.

“Não é possível quantificar o número total de crimes”, assumiu o pedopsiquiatra, dado que algumas vítimas foram abusadas várias vezes

A média de idades atual das vítimas é de 52 anos, correspondendo 20,2% da amostra a pessoas com menos de 40 anos.

O pedopsiquiatra assinalou que o número de abusadores, no seio da Igreja, é “baixo”.

“Continua a ser importante não confundir a parte com o todo”, insistiu.

Os testemunhos são de residentes em Portugal e emigrantes, com preponderância de vítimas de sexo masculino (52%); a maior parte assume-se como católico (53%) e há casos em todos os distritos, com destaque para cinco: Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria.

Pedro Strecht falou em “verdadeiras zonas negras”, com particular impacto nas décadas de 1960 a 1990, sendo que quase 25% dos testemunhos diz respeito a casos ocorridos desde 1991 até hoje.

48% das pessoas revelaram esta situação pela primeira vez no contacto com a CI.

Os casos relatados aconteceram, sobretudo, em “seminários, colégios internos e instituições de acolhimento, confessionários, sacristia e casas dos padres”, incluindo, mais recentemente, acampamentos e atividades ao ar livre.

O número total de abusadores não foi revelado, tendo a CI registado que 96% são do sexo masculino e 77% eram padres à data dos atos, com predominância dos “abusos continuados”.

O início dos abusos aconteceu, em média, aos 11 anos de idade dos menores, embora esse número tenha vindo a aumentar.

As vítimas relatam um afastamento da Igreja enquanto instituição e da prática religiosa, esperando um “pedido de desculpa”; 25,8% assume-se como católico praticante.

Pedro Strecht começou por referir que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) “sempre apoiou” este trabalho, agradecendo a todas as vítimas que “ousaram dar voz ao silêncio”.

“São muito mais do que um número ou uma mera estatística”, acentuou.

O relatório, em oito pontos, é visto como o final de uma “longa noite de silêncio”, das vítimas.

“Talvez seja difícil que, a partir de agora, tudo fique igual”, apontou Pedro Strecht.

organismo, criado pela CEP, foi apresentada publicamente em janeiro de 2022, tendo centrado o seu trabalho na recolha de testemunhos e análise de arquivos históricos de instituições católicas.

A CI é coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht e integra o psiquiatra Daniel Sampaio, o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasconcelos.

Pedro Strecht falou num trabalho feito com “liberdade”, reconhecido como necessário por vários dos testemunhos.

Para o Ministério Público (MP) foram enviados 25 casos foram enviados, no total, devido à prescrição dos casos ou ao anonimato dos testemunhos.

Os alegados abusadores ainda vivos serão identificados, numa listagem a enviar à Igreja Católica e à Justiça, até final de fereveiro.

Daniel Sampaio, psiquiatra, defendeu a necessidade de “um estudo a nível nacional”, revelando, após uma análise internacional de 217 estudos, que 18% das meninas são abusadas, percentagem que chega aos 8% no sexo masculino.

O especialista pede uma justiça “célere e eficaz”, destacando que o tratamento dos abusadores exige “psicoterapia intensiva”.

“Não basta um acompanhamento espiritual”, declarou.

Segundo a Procuradoria-Geral da República, em 2019 e 2020, houve 7142 crimes sexuais praticados sobre menores em Portugal.

“A percentagem da sua existência, enquanto praticada por membros da Igreja, é muito pequena, sobre a realidade do assunto dos abusos sexuais de menores em geral”, acentuou Pedro Strecht.

Esta tarde, a partir das 16h00, o presidente e os membros do Conselho Permanente da CEP – que acompanharam a apresentação do relatório final – encontram-se com os jornalistas, numa conferência de imprensa a realizar na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.

Na Fundação Calouste Gulbenkian está, entre outros responsáveis católicos, o padre Hans Zollner, membro da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores (Santa Sé).

A 3 de março, em Fátima, está prevista a realização de uma assembleia plenária extraordinária da CEP para analisar o relatório da CI.

A Comissão Independente cessa as funções para a qual foi designada pela CEP.

“Chegamos ao fim deste longo e também doloroso trabalho com a sensação de dever cumprido”, afirmou Pedro Strecht, realçando que “a dor da verdade dói, mas só ela liberta”.

“Falem, falem, vamos juntos pela verdade”, concluiu, deixando uma “mensagem de esperança” para as vítimas.

A sessão incluiu a apresentação de um vídeo de homenagem às vítimas de abuso sexual na infância, por membros da Igreja Católica em Portugal, com a pianista Maria João Pires.

Octávio Carmo/Agência ECCLESIA

Notícia atualizada às 11h45

O estudo inclui “todas as ações e práticas de natureza sexual” que a Lei portuguesa qualifica como crime, com menores de 18 anos de idade.
Álvaro Laborinho Lúcio falou num “dever moral” e “dever cívico” de denúncia, por parte dos responsáveis da Igreja, independentemente da natureza pública dos crimes.
O especialista falou das penas e prazos de prescrição, na Lei portuguesa, a qual determina que as vítimas, sendo menores, podem apresentar queixa até perfazer 23 anos.“Esta idade deve ser aumentada”, sustentou Laborinho Lúcio, apresentando como proposta os 30 anos.
No Direito Canónico, a prescrição acontece 20 anos após a vítima completar 18 anos de idade, por decisão do Papa Bento XVI.
A CI apresentou os critérios da sua abordagem quantitativa e qualitativa, nos inquéritos, bem como os critérios de validação dos testemunhos.
“Não se podem fazer quaisquer extrapolações para o universo geral”, sublinhou Filipa Tavares.
No decorrer dos 12 meses de trabalho, foram feitas entrevistas a bispos e superiores de institutos religiosos, além da análise dos arquivos históricos, com a consulta de várias séries documentais, com “graus diferentes de confidencialidade”.
“Todos os bispos e a esmagadora maioria das congregações responderam aos inquéritos”, adiantou a CI.
Para Pedro Strecht, com este estudo, que contou com a validação da Santa Sé, “fez-se história”.
Do estudo exploratório dos arquivos da Igreja Católica em Portugal foram relevados “traços documentais”, desde 1950.
“A Igreja tem informação, essa informação tem de continuar a ser estudada”, existindo um “desfasamento” entre os testemunho das vítimas e as “provas documentais”, assinalou Francisco Azevedo Mendes, da Universidade do Minho, que coordenou o Grupo de Investigação Histórica da CI.
Um caso apresentado sublinhou a necessidade de uma resposta “transnacional”, por parte da Igreja Católica, para enfrentar estes abusos.Ana Nunes de Almeida assinalou, em “contraste” com a intensidade dos testemunhos das vítimas, algum “desconhecimento” e até “alheamento” do topo da hierarquia católica, nas entrevistas realizadas aos bispos portugueses, que decorreram no arranque dos trabalhos da CI.
“Houve um momento em que a evidência deste problema se tornou irrefutável”, destacou.
Para a responsável da CI, registou-se uma “notável diversidade interna” no seio dos responsáveis diocesanos e das congregações religiosas.
“A Igreja não falava, não fala a um só voz”, indicou.
Ana Nunes de Almeida e Vasco Ramos, sociólogo, elencaram os principais resultados, que tinham sido adiantados por Pedro Strecht, referindo que a maior parte dos abusos aconteceu entre os 10 e os 14 anos de idade das vítimas e nas décadas de 60 a 80 do século passado (60%).
27,5% dos abusos prolongaram-se durante mais de um ano.A conferência de imprensa contou com a leitura de vários dos testemunhos das vítimas, algumas vezes desvalorizados pelos próprios familiares ou outros responsáveis; a maior parte das vítimas (52%) demorou dez anos a contar o que viveu.23% dos casos ocorreram em seminários, 18,8% em igrejas, 14,3% em confessionários, 12,9% em casas paroquiais e 6,9% em escolas católicas.
A CI registou sete casos em que as vítimas se suicidaram, a partir do testemunho de familiares ou análise à informação divulgada pela imprensa.
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