Cavaco Silva condecorou-a e Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de ir à cidade das Neves, em 2018, para a cumprimentar quando esteve em São Tomé e Príncipe em visita oficial. Chama-se Lúcia Cândido e é a religiosa franciscana que há mais de duas décadas simboliza a resiliência contra a pobreza, a luta contra o abandono e a miséria em que se encontram as populações neste país africano de língua oficial portuguesa.
De facto, apesar de São Tomé e Príncipe aparecer como um país atractivo nos cartazes turísticos, com paisagens exuberantes e praias fantásticas numa moldura tropical, a verdade é que, para as populações locais, o dia-a-dia não é nada glamouroso. A começar, muitas vezes, na falta de comida. Estimativas recentes do Banco Mundial mostram, com a crueza dos números, que cerca de um terço da população local vive com menos de 1,89 euros por dia, o que está abaixo da linha de pobreza.
É na paróquia das Neves que vamos encontrar a irmã Lúcia, a religiosa portuguesa cujo trabalho notável junto dos mais necessitados, idosos, jovens e crianças não passou despercebido aos inquilinos do Palácio de Belém. Desde as creches aos idosos, passando pelos jovens, todos os que vivem por ali estão na mira desta mulher simples que, aos 54 anos, já diz que é tão portuguesa como são-tomense… “Eu vim parar a São Tomé e Príncipe porque tive sempre muita paixão que os mais pobres os mais necessitados, sempre trabalhei com crianças pobres, crianças necessitadas e depois pedi para vir para a missão… era só para fazer uma experiência de 2 anos. Mas estou aqui há vinte e três…”
O FUTURO DOS JOVENS…
Vinte três anos marcados pelo serviço ao próximo numa terra onde faltam muitos recursos básicos que a Igreja tenta suprir de alguma forma. As irmãs franciscanas estão presentes em São Tomé em Príncipe há 64 anos e em 1998 criaram a Comunidade no Distrito de Lembá, Paróquia de Nossa Senhora das Neves, onde está a portuguesa Lúcia Cândido.
Em entrevista à Fundação AIS, esta religiosa que em Dezembro de 2015 recebeu a insígnia de Grande-Oficial da Ordem do Mérito, por decisão de Cavaco Silva, então Presidente da República, descreve a obra que a Igreja desenvolve na cidade das Neves – o Projecto de Desenvolvimento Integrado de Lembá – e que faz toda a diferença numa população muito pobre num país insular e com poucos recursos.
“O projecto integrado de Lemba neste momento envolve cerca de 3 mil pessoas desde carpintaria, que é auto-sustentável, costura, que é auto-sustentável, a informática que está quase a ser auto-sustentável, e depois tem crianças desde os 3 meses até à sexta classe, que tem 1800 [crianças] e depois temos duas turmas de jovens já com cursos profissionais que serão o futuro para eles também possam depois ter o seu próprio emprego…”
Há uma quase obsessão na irmã Lúcia pelos jovens, pelo futuro dos jovens. Quando se pergunta qual é o maior desafio do seu trabalho em São Tome e Príncipe, a irmã responde logo: “Tenho muitos desafios, mas o maior é educação, tanto de crianças como de jovens”.
“A FÉ E O AMOR AJUDAM MUITO…”
Um desafio que levou a Igreja, mobilizada por um punhado de religiosas, a lançar-se na construção de várias infraestruturas que hoje são vitais para a comunidade local. É o caso de um jardim de infância, escola, mas também um lar para idosos e projectos de emprego para a comunidade local, desde carpintaria a atelier de costura. Em São Tomé e Príncipe pode haver poucos recursos, mas com as irmãs ao leme deste projecto, ninguém ficará sem comida no prato. “Temos o lar de idosos, a parte social, em que temos 20 idosos internos, trinta e cinco vêm buscar comida todos os dias, vamos levar 35 almoços para as roças todas, vamos todos os meses levar um cabaz a150 idosos, e depois temos um refeitório social em que as pessoas pagam 10 dobras que são cerca de 5 cêntimos para vir comer…”
Como é que consegue tudo isto? Como é que a irmã Lúcia consegue, aos 61 anos de idade, ser tão inspiradora, tão capaz de mobilizar vontades, de remar contra as aparências, os infortúnios e construir projectos, dar vida a ideias, tirar pessoas da quase indigência? A resposta é simples, breve e desarmante. “Não sei. Só por amor a Deus… Amor a Deus, amor ao próximo, amor ao outro. Hoje, eu acredito que a fé e o amor ajudam muita gente.”
Mas nem sempre o discurso desta mulher que nasceu no dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas é optimista. Este ano, em Março, chuvas torrenciais deixaram um rasto impressionante de destruição. Uma situação que é cíclica. Ainda agora, há poucas semanas, voltou a chover torrencialmente na cidade das Neves. Sempre que isso acontece, as estradas deixam de estar transitáveis e as populações ficam quase isoladas.
“Esta gente é pobre e fica ainda mais pobre”, descreve a irmã que sabe, como poucos, mobilizar boas vontades, ser sinal da misericórdia de Deus na terra dos homens. Como consegue? A resposta é sempre a mesma: a fé inabalável. “Há alguma coisa dentro de mim que eu também não consigo explicar que é a fé que eu tenho em Deus. Tenho muita fé que Deus está sempre presente e quando nós nos empenhamos com amor, com carinho, a fazer o bem, a ajudar os outros, Deus nunca falha.”
Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal