Figura de grande prestígio entre as comunidades cristã e muçulmana, o novo Arcebispo de Homs dos Sírios é muito próximo da Fundação AIS, instituição que se multiplicou em iniciativas, por todo o mundo, apelando à sua libertação quando, em Maio de 2015, foi raptado por jihadistas no mosteiro de Mar Elian, onde vivia.
Eleito pelo Sínodo dos Bispos da Igreja Patriarcal de Antioquia dos Sírios como Arcebispo de Homs dos Sírios – com consentimento do Papa Francisco –, D. Jacques Mourad é símbolo da própria resistência da comunidade cristã que tem sido forçada a enfrentar, ao longo desta última década, a violência da guerra e do terrorismo, e agora também da pobreza.
Nascido há 54 anos em Alepo, a história do novo prelado está indelevelmente ligada aos cinco meses em que esteve em cativeiro às mãos de um dos muitos grupos terroristas que alimentaram com ferocidade a guerra na Síria. Um cativeiro que o próprio recordou em diversas iniciativas da Fundação AIS, como a Noite dos Testemunhos, promovida pelo secretariado francês da Ajuda à Igreja que Sofre em 2017.
“No dia 21 de Maio de 2015, um grupo de homens embuçados e armados, invadiram o convento de Mar Elian, de que eu era responsável, e levaram-me como refém, juntamente com Boutros, na altura postulante no convento. Depois de termos estado presos dentro do carro durante quatro dias em pleno deserto, levaram-nos a Raqqa.”
Foi assim que Jacques Mourad recordou como teve início o tempo de sequestro, quase cinco meses, em que chegou a ser ameaçado de morte, a ser decapitado, e onde acabou por testemunhar o rapto também de 250 pessoas da sua paróquia.
Foram cinco meses de cativeiro que reforçaram poderosamente a sua fé. “Na estrada para Raqqa… em direcção ao desconhecido, uma frase ressoava dentro de mim e que me ajudou a aceitar o que se passava e a entregar-me ao Senhor: ‘Estou a caminho da liberdade…’ A presença da Virgem, Nossa Mãe, e a oração do terço foram a minha segunda arma espiritual”, disse nesse encontro promovido pelo secretariado francês da Fundação AIS.
Revisitar hoje esse testemunho ajuda a compreender os tempos excepcionalmente duros que os cristãos tiveram de enfrentar no auge da guerra na Síria. Ninguém estava seguro em lado algum.
Levado para Raqqa, Jacques Mourad acabou por ficar retiro numa casa durante 84 dias. Um tempo que não esquecerá mais. “Quase todos os dias entravam na minha cela e faziam perguntas sobre a minha fé. Vivi cada dia como se fosse o último. Mas não cedi. Deus concedeu-me duas coisas: o silêncio e a amabilidade. Fui assediado, ameaçado de decapitação em várias ocasiões, submetido a um simulacro de execução para renegar a minha fé.”
Mas sobreviveu. A 4 de Agosto de 2015, o grupo jihadista ‘Estado Islâmico’ conquistou Al-Qaryatain e no dia seguinte, de madrugada, fez cerca de 250 reféns cristãos que foram levados para uma região perto de Palmira.
Uns dias mais tarde, o Padre Mourad foi levado ao encontro desse grupo de reféns. “Viajámos pelo deserto durante quatro horas. A certa altura, chegámos a um sítio com um grande portão de ferro fechado onde se encontravam os cristãos de Al-Qaryatain na minha frente, muito espantados de me ver. Foi um momento de indizível sofrimento para mim. Para eles foi um momento de alegria e dor… de alegria porque não sabiam o que eu tinha passado e de dor pelas circunstâncias do reencontro.”
É por essa altura, que começa a planear a própria fuga, o que veio a acontecer a 10 de Outubro de 2015. Numa cena quase digna de um filme de acção, Jacques Mourad fugiu dos jihadistas saltando para cima de uma mota conduzida por um amigo muçulmano. Quando recorda esse episódio vê também aí a presença de Deus e de Nossa Senhora.
“Com a ajuda de um jovem muçulmano, consegui sair de Al-Qaryatain apesar dos riscos que isso implicava. E, novamente, a mão misericordiosa de Deus e de Nossa Senhora protegeram-me e acompanharam-me. Ajudado por esse muçulmano local, consegui passar um posto de controlo dos jihadistas sem que me reconhecessem ou detivessem. A 10 de Outubro de 2015, nesse caminho de deserto, a palavra “liberdade” voltou a surgir.”
A ligação do novo Arcebispo de Homs dos Sírios à Fundação AIS é antiga. Pouco tempo antes de ter sido raptado pelos jihadistas, Jacques Mourad tinha enviado uma mensagem para a fundação pontifícia, em que testemunha e agradece a generosidade dos seus benfeitores e amigos pelo povo sírio que experimentava então a dureza brutal da guerra em todo o território.
“Do fundo do nosso coração, agradecemos aos benfeitores da Ajuda à Igreja que Sofre pela solidariedade que demonstraram pelo povo sírio que sofre e, em particular, pelos que estão na nossa região. E pedimos que continuem a rezar por nós.”
A ligação da AIS ao trabalho deste sacerdote e monge vinha já desde o início da crise na Síria, em 2011. Nessa altura, o responsável pelos projectos para o Médio Oriente da Ajuda à Igreja que Sofre era o Padre Andrzej Halemba.
Ele conhecerá, como poucos, a dedicação e a entrega de Jacques Mourad ao povo sírio, à comunidade cristã. Sensivelmente um mês depois de ter sido raptado pelos jihadistas, quando ainda se desconhecia até o seu paradeiro ou se estaria vivo ou não, o Padre Halemba falou dele como sendo alguém muito especial, como um construtor de paz, um fazedor de pontes. E por isso perguntava como seria possível alguém assim ser raptado…
“O Padre Jacques sempre ajudou todas as pessoas, sejam cristãos ou muçulmanos. Ele ajudou todos, mas nunca tomou partido. Por que um homem como esse seria raptado? Nós podemos ver mais uma vez como a guerra está a reivindicar as melhores pessoas. O Padre Jacques é um líder espiritual de cristãos e muçulmanos. As pessoas de ambas as religiões olham para ele e confiam nele.”
E também a Igreja confia nele, como ficou agora testemunhado com a sua escolha como novo Arcebispo de Homs dos Sírios. O Sínodo dos Bispos da Igreja Patriarcal de Antioquia dos Sírios também elegeu o novo arcebispo de Mosul dos Sírios, no Iraque. Trata-se do reverendo Qusay Mubarak Abdullah (Younan) Hano, a quem o Papa também deu o seu consentimento.
PA | Departamento de Informação da Fundação AIS