Na tarde deste dia 5 de janeiro, o Arcebispo de Évora, D. Francisco José Senra Coelho preside à Missa pelo Papa Bento XVI, cujas exéquias decorreram neste dia em Roma. Transcrevemos na íntegra a homilia proferida pelo Prelado Eborense:  

HOMILIA

Exéquias Papa Bento XVI – Sé de Évora (05.01.2023)

Estimados Irmãos e minhas Irmãs.

 A Arquidiocese de Évora une-se à Igreja Mãe de Roma e a toda a Igreja Universal, celebrando a Eucaristia pelo saudoso Papa Bento XVI. Como acabamos de acolher em nossos corações, no Evangelho de S. João (Jo 21, 15-19), Cristo por diversas vezes compara a Sua Igreja a um redil, assumindo-se como Bom Pastor por antonomásia. Como todavia, lhe era preciso voltar para o Pai, depois de ter confirmado por três vezes o amor singular de Pedro, confiou-lhe o ministério de pastorear o Seu rebanho. Ora, é dever do Pastor conduzir as ovelhas ao redil, manter a unidade do rebanho, e protegê-lo de todos os lobos e ladrões. Como se trata de uma comunidade de seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, é dever do Pastor alimentar a comunidade com os Sacramentos, instrui-la na Fé. É, por isso, que os Bispos, sucessores dos Apóstolos e à priori os Romanos Pontífices, ao exercerem a jurisdição, assumem um dever pastoral, sobre o Povo Cristão, que é a grei de Jesus Cristo. Este vínculo aparece simbolizado no anel que usam. Como sabemos a Pedro foi-lhe confiado um ministério universal, sobre todos os membros da Igreja. Assim ensina S. Euquério de Leão: «Primeiro lhe confiou os cordeiros, e depois as ovelhas, porque o constituiu não somente pastor, mas também pastor de pastores». Pedro apascenta, pois, cordeiros e ovelhas, apascenta filhos e mães; fiéis e pastores ou seja Diáconos, Presbíteros e Bispos. De todos, portanto, é Pastor.[1] O Papa Bento XVI, respondeu com toda a sua liberdade e, portanto, com todo o seu ser a esta chamada: «Senhor Tu sabes que eu te amo». O seu ministério marca por isso a contemporaneidade com actos de determinação lúcidos e proféticos, capazes de iluminar o tempo e fazer História. Na base da sua determinação está o seu amor ao Senhor que ele vê na Sua Igreja. No Concílio Vaticano II, soube ler nos apelos dos tempos a voz do Espírito Santo, e tudo fazer para que a Igreja não ficasse refém de uma certa tradição curta no seu alcance Histórico e Patrístico, olhando mais para minudências do que para a sua própria matriz, a Igreja Apostólica dos primeiros tempos plasmada nos escritos Neotestamentários e na sua hermenêutica patrística. Joseph Ratzinger tudo fez, unido a outros grandes teólogos, para levar a Igreja por um caminho iluminado pela sua identidade original, trinitária, Cristocêntrica e pneumatológica. Depois da sua formação teológica concluída em 1953 com a Tese Doutoral, sobre o argumento: “Povo e casa de Deus na doutrina da Igreja de S. Agostinho”, e com a dissertação em vista à Cátedra Universitária, “A Teologia na História em São Boaventura”, a partir de 1969 passou a ser Professor Catedrático de Teologia Dogmática e História do Dogma na Universidade de Ratisbona, trazendo o Concílio Vaticano II à vida quotidiana eclesial e à formação dos novos Pastores e gerações Laicais. Como Papa, ofereceu-nos as suas preciosas Encíclicas: “Deus caritas est” (25 de dezembro de 2005), “Spe salvi” (30 de novembro de 2007), “Caritas in Veritate” (29 de junho de 2009). Deixo algumas frases de sua autoria para nos ajudar a interiorizar este momento de reflexão: «No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma pessoa que dá a vida, um novo horizonte e, desta forma um rumo decisivo (à vida)» (Deus Caritas est, 1). «Não tenhais medo de Cristo! Ele não tira nada, ele dá tudo» (Homilia da Missa da inauguração do seu pontificado, 24-III-2005). «A sociedade cada vez mais globalizada, torna-nos vizinhos, mas não faz irmãos» (Encíclica Caritas in veritate, 19). O mundo atual exige «um aprofundamento crítico e axiológico da categoria da relação. Trata-se de uma tarefa que não pode ser desempenhada só pelas ciências sociais, mas requer a contribuição de ciências como a metafísica e a teologia para ver lucidamente a dignidade transcendente do Homem» (Caritas in veritate, 53). A mensagem cristã não era só “informativa, mas performativa. Significa isto que o Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades, que se podem saber, mas uma comunicação que gera factos e muda a vida» (Spe salvi, 2). «Ser cristão não é uma espécie de hábito para vestir em privado» (Audiência aos participantes da Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, 30 de maio de 2011). Nesta hora de luto iluminado pela Esperança Cristã, sentimos e agradecemos o valor da estabilidade que a serenidade deste Pastor nos ofereceu a todos. Era uma companhia tão silenciosa quanto presente, uma espécie de reserva moral testada e confirmada pela preciosidade da sua sabedoria e da sua coerência. Perito em Humanidade, iluminava as mentes e os corações com a racionalidade da Fé e com a proximidade da ternura de Deus aos vazios humanos. Profundamente conhecedor do Ocidente e da Europa, doentes, encetou o diálogo Fé – Cultura através das promissoras e inacabadas iniciativas “Átrio dos Gentios”. Fica para sempre registado o seu abraço ao saudoso gigante do cinema Manuel de Oliveira, no contexto do seu encontro com a Cultura realizado em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, quando da sua visita pastoral a Portugal em 2010, por ocasião da celebração dos dez anos da canonização dos Pastorinhos Francisco e Jacinta Marto, talvez a visita pastoral que mais marcou o seu pontificado. As inesquecíveis celebrações litúrgicas vividas em Lisboa, Fátima e Porto, fizeram o encanto do nosso povo, que percebeu quão diferente era o homem Bento XVI, ao vivo, daquele que lhe pintavam os fabricantes de opinião pública. A visita de Bento XVI a Portugal, foi uma festa e um gratificante encontro de muitos “afastados” com a Igreja. Afinal os verdadeiros sábios são os únicos capazes de falar dos grandes temas complexos e exigentes da vida com linguagem acessível, simples e compreensível a todos. Papa de Fátima, não só quando como cardeal Prefeito do Dicastério da Doutrina da Fé interpretou o Terceiro Segredo, mas como quando, no Santuário da Cova da Iria nos assegurou que a mensagem de Fátima e o segredo continuavam actuais, em aberto e a ajudar a iluminar os novos tempos. Apreciador de música clássica, dizia; “A música de Mozart encerra todo o drama humano.” Foi esse drama humano que ele tocou e compreendeu muitas vezes, iluminando-o com a Luz do Evangelho. Foi desse drama que saiu vencedor, quando com toda a Liberdade Interior a 11 de fevereiro de 2013, perante o reconhecimento das suas limitações humanas abdicou do exercício do ministério petrino ao renunciar à Diocese de Roma. Como refere um teólogo português, especialista na área da Escatologia: «Com 95 anos, o Papa Bento XVI chega ao fim. Ao fim porque termina a sua vida entre nós. Mas também ao fim como finalidade. Viveu como peregrino a regressar sempre à casa do Pai-Deus Trindade. Regressa à plenitude do encontro e à plenitude da Vida. Como ele tão bem descreve na sua escatologia «É tempo de dar graças pela sua vida e pela sua entrega».  

+ Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

——————— [1] O texto desta homilia baseia-se em V. Zubizarreta (in “Theologia dogmático-scholastica”,  3ª edição, Bilbao; 1937, vol. I, págs. 311-312, nº 333). ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: FOTO-REPORTAGEM
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