Estamos a celebrar o Natal, o tempo em que fazemos memória do nascimento de Jesus, Deus feito Homem, na modéstia da gruta de Belém. É um tempo privilegiado que nos fala da vida que nasce no presépio perante todas as adversidades, que nos traz a luz que ilumina as preocupantes realidades do nosso tempo e nos revela a esperança em Deus que vem ao nosso encontro para nos oferecer a verdadeira felicidade e nos libertar de todas as opressões.

Este ano, assinalamos esta quadra festiva envolvidos pelo drama da guerra da Ucrânia que dura há dez longos meses. Aqui, bem perto de nós, a desumanidade ceifa vidas e impõe sofrimento a milhares de residentes e refugiados. É uma violência atroz à qual não podemos ficar indiferentes… Não nos podemos permitir esquecer esta e outras guerras e deixarmo-nos habituar a uma realidade que todos os dias bate à nossa porta através das imagens cruéis que nos chegam. Resultante deste e de outros conflitos, vivemos um tempo de emergência social com a degradação crescente das condições socioeconómicas das famílias. A muitos falta o pão na mesa, a pobreza adensa-se e quem é frágil está cada vez mais só.

Estamos também a superar uma pandemia que nos deveria encher de esperança nas capacidades do avanço da ciência, mas, enquanto assistimos a um esforço mundial para salvar vidas, no nosso país permite-se o avanço da eutanásia e do suicídio assistido como resposta para erradicar o sofrimento.

Diante destas e muitas outras realidades que nos preocupam, é hora de contemplar o presépio e acolher o caminho de esperança que o nascimento de uma criança nos traz, especialmente quando essa criança é o Filho de Deus, que se torna próximo e partilha os nossos dramas, mas igualmente o Coração terno e transformador do Pai do Céu. Ele ensina-nos a reconhecer-nos como filhos e filhas do mesmo Pai, a abrir o coração à fraternidade e a reforçar o nosso “sentido comunitário”, como nos pede o Papa Francisco na mensagem para o próximo Dia Mundial da Paz.

A luz da esperança que brilha no Natal concentra-se num Menino frágil, que vem para cuidar da humanidade, mas que, antes de mais, se oferece para ser cuidado pela humanidade. Porque, quando aprendemos a cuidar das pessoas e do nosso planeta, estamos a acender verdadeiras luzes que humanizam pessoas e iluminam o mundo. E essa luz brota de atitudes concretas, de sair de si e de ir ao encontro do outro, especialmente das pessoas que se encontram mais sós e desamparadas.

Natal é o tempo para superar o individualismo:

  • tempo de se tornar próximo das famílias que mais sofrem por dificuldades económicas e falta de trabalho e fazer-lhes sentir que não estão sozinhas;
  • tempo de se tornar solidariamente próximo dos pobres que estão cada mais afogados na sua pobreza, enquanto a riqueza é distribuída cada vez mais só por alguns, e fazer com que não sejam deixados para trás;
  • tempo de olhar fraternamente para os migrantes e refugiados, obrigados a sair de casa por questões de segurança ou em busca de uma vida digna para si e para as suas famílias, e fazer sentir que há espaço para eles junto de nós;
  • tempo de sentir a dor de quem está privado de liberdade, por falhas próprias ou por injusta opressão alheia, e ajudar a criar espaço de verdadeira liberdade e esperança responsável de futuro;
  • tempo de ir ao encontro dos idosos e doentes, com disponibilidade para cuidar e minorar a dor e o abandono;
  • tempo de acolher com verdadeiro carinho as crianças e os mais frágeis e reafirmar a determinação e o propósito de garantir proteção e salvaguarda do direito a crescerem em segurança, livres de qualquer abuso ou manipulação;
  • tempo de criar condições para que os nossos jovens possam desenvolver-se e dar um contributo responsável e capaz na construção do presente e do futuro da sociedade.

A vinda do Salvador, o Príncipe da Paz, é um forte apelo ao encontro fraterno e desinteressado, à ajuda mútua, à caridade, à necessidade de escutar e de compreender, para juntos construirmos um mundo novo.

Neste Natal, na noite em que a luz do Deus Menino ilumina a escuridão que a humanidade atravessa, tenhamos bem presente, diante do presépio que contemplamos, o pedido pela paz no mundo, especialmente na Ucrânia.

No presépio onde nasce a esperança, entreguemos a realização da Jornada Mundial da Juventude que Portugal recebe em 2023 e os jovens de todos os continentes que aqui chegarão. Confiemos também o Sínodo dos Bispos que nos impele a uma Igreja mais sinodal em ordem a uma verdadeira comunhão, participação e missão.

Deixemos que o presépio toque a fragilidade das nossas vidas e nos transforme o coração para cuidarmos daqueles que vivem em maior debilidade. Façamos ecoar, hoje e sempre, o anúncio dos anjos que gera alegria, aquece o coração e dá energia do agir à nossa esperança: “Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor.”

É com este anúncio que desejo a todos um Santo e Feliz Natal!

D. José Ornelas Carvalho
Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa

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