Sentia-se tão subjugada à tutela paterna que já só suspirava por atingir os dezoito anos e poder, autonomamente, namorar e vir a casar o mais rápido possível. Sair de casa! Sentia a falta de liberdade e acreditava que, casando, seria livre e independente do poder paternal. Repetia incansavelmente: “que bom é ser-se independente, não sujeito a qualquer tutela e poder agir em liberdade, fazendo o que se quer”! Só que pensar assim é ser ingénuo! Não é assim tão simples conseguir fazer aquilo que se quer, porque não é nada fácil saber aquilo que se quer. A psicanálise ensinou-nos muitas coisas acerca das razões escondidas por detrás dos nossos projetos e atos mais habilmente justificados, a ponto de, perante as suas consequências, repetirmos vezes sem conta: «Afinal, não era bem isto que eu queria»! Julgarmo-nos independentes é uma das maiores ilusões que nos acompanham ao longo da vida, apesar de esse ser o maior desejo que nos acompanha desde a infância até à vida adulta. Falando de independência individual, ninguém é totalmente independente. A nossa independência é sempre relativa, contingente, finita e sujeita a todas as circunstâncias. Pertence-nos apenas escolher os senhores a quem temos de obedecer, se à liberdade ou aos caprichos, se à consciência moral ou aos interesses, egoísmos, preocupações individuais e familiares. Quer queiramos quer não, somos sempre dependentes de três influências. Primeira: a influência, boa ou má, que nos advém das ideologias e modos de viver dos outros; segunda, a das nossas ideias, conhecimentos, tradições e manias; terceira, a do nosso querer, caprichos, sensações, tendências e instintos. A catequese coloca estas influências no grupo das tentações, a que dá o nome de “inimigos” da alma. Dado que é impossível furtar-se a essas influências, venham elas donde vierem, a nossa liberdade irá exercer-se quase inconscientemente de acordo com aquelas de que queremos beneficiar. Acho piada a quem diz que é livre e independente. Livre de quê? Independente de quê e de quem? Mesmo assim, definimos a independência individual como a capacidade de fazer o que nos toca fazer, sem precisar da ajuda de terceiros. É um conceito associado ao de liberdade parental, financeira, económica, de saúde ou outra. Mas onde o conceito é mais utilizado é na versão política. Em política, um país independente é o que não depende nem é tributário nem está colonialmente sujeito a outro. Mas também aí há ilusões, porque, em muitos desses países, a independência económica tal como a cultural é meramente simbólica, já que os Estados mais poderosos lhes impõem as suas condições. Esta razão faz que muitos movimentos políticos progressistas promovam novas independências, para além da soberania, confundindo, às vezes, independência com autonomia política. Neste caso, a autonomia política transforma-se em capacidade de governar-se pelos próprios meios, seguindo as diretrizes gerais do País de que depende. Em qualquer caso, a independência e a autonomia, política ou individual, correspondem literalmente à desassociação de um ser em relação a outro.
Manuel Maria Madureira, diretor