Aquando do processo que condenou Jesus à morte, o “juíz” Pilatos e o “réu” Jesus travaram um curtíssimo diálogo sobre a identificação deste, os crimes que cometeu e a gravidade dos mesmos – coisa que não tinha ficado clarificada nas acusações que os advogados (os fariseus) aduziam. De repente, o diálogo passou a referir o poder político e judicial de Pilatos acerca do qual Jesus afirmou que «nenhum poder ele teria se lhe não tivesse sido dado do alto». Aí, o assunto virou para a questão da verdade. Pilatos perguntou a Jesus «o que é a verdade»? ou melhor: «o que é a verdade em política» – que era a única que lhe interessava. Não houve resposta! Isto leva-nos a dizer que não falamos do mesmo quando colocamos em paralelo a verdade e as verdades – ou seja, a sua apresentação formal e a sua aplicação material. Na sua apresentação formal, a verdade é absoluta, imutável, indivisível, não admite graus e é universalmente válida. Na sua aplicação material, a verdade é múltipla, finita, não totalmente adquirida e está sempre em evolução. Parece que Jesus falava da verdade formal e Pilatos da verdade material, para nela inserir a verdade política! Se quisermos aplicar isto aos nossos tempos, nem precisamos de fake news, que as verdades subjetivas são já tantas!!!… A verdade tem de ser objetiva por equivaler à realidade, independentemente do que se julga saber, ou de qualquer convencimento, opinião ou assentimento. Por isso, é diferente a verdade e a certeza. A certeza é um estado de convencimento, enquanto a verdade é o que é. A certeza – que é sempre uma visão subjetiva e não passa de um método – é a garantia que leva uma pessoa a considerar-se “segura” da “sua” verdade, coisa que pode nunca vir a corresponder à verdade verdadeira. Atendendo aos convencimentos, há quatro degraus subjetivos na caminhada para a obtenção da verdade, apesar de esta poder, muitas vezes, nunca ser atingida. Os degraus – a começar pelo mais baixo – são a ignorância muito tagarela e convencida, a dúvida (que pode apresentar-se com muitas caras), a opinião – o “acho”, o “parece-me” – e a certeza como topo dessa caminhada. O ceticismo e todos os sistemas relativistas aí estão a confirmar o que acaba de ser escrito. Tudo isto nos leva a concluir que o contrário de verdade não é o erro (porque este é subjetivo, faz parte da caminhada e opõe-se ao certo, à certeza) nem o engano; mas – numa linha mais concretizada – o contrário de verdade pode ser a falsidade, a hipocrisia e a mentira, conforme estamos a jogar com a racionalidade lógica, com a vida (no que esta tem de ser e de parecer) e com a linguagem comunicativa em que o que se diz ou nega está em desacordo com o que a realidade é. Numa aclaração mais benigna, diríamos que a verdade é algo que se encontra mais no nível da esperança do que no nível da sua aquisição e obtenção fidedigna, até porque tudo está em movimento, em mudança, em evolução – e o que hoje é, pode amanhã já não ser. Talvez seja melhor colocar a verdade mais no conhecer do que no ser, mais nos conceitos e nos juízos do que nas opiniões e no “achismo”. Mas nunca nos convencimentos.

Manuel Maria Madureira, diretor

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