No dia 14 de abril, no Tríduo Pascal, às 18h30, na Catedral de Évora, será celebrada a Eucaristia da Ceia do Senhor e Adoração do Santíssimo, presidida pelo Arcebispo de Évora.
Homilia da Eucaristia da Ceia do Senhor
1. Como acabámos de acolher em nossos corações, o Capítulo 12, do Livro do Êxodo narra-nos que «com o banquete pascal, o povo hebreu revivia, todos os anos, a libertação do Egipto e a sua constituição como “povo” em consequência dessa acção libertadora de Deus. Através desse rito pascal que consistia na imolação de um cordeiro, agradeciam também todas as outras intervenções salvíficas de Deus, ao longo dos séculos, e proclamavam a sua esperança na libertação definitiva».
A Segunda Leitura, proclamada a partir da Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios, Versículos 23 a 26, anuncia-nos que a libertação definitiva prometida como esperança, já chegou: «O nosso Cordeiro Pascal que é Cristo, foi imolado»! (1 Cor 5,7). «Possuídos por essa certeza, desde o começo da Igreja os cristãos se reuniam para celebrar o Memorial do Sacrifício redentor de Cristo, a Eucaristia, por Ele instituída como Páscoa da Nova Aliança.
Ao celebrarem, porém, o Memorial da Morte do Senhor nem sempre os cristãos estavam unidos na caridade, como acontecia em Corinto, 25 anos após a morte do Senhor. Por isso, Paulo lhes lembra que a Eucaristia e a Igreja, o Corpo Sacramental e Corpo Místico, estão intimamente ligados. Uma Eucaristia celebrada entre divisões deixaria de ser sinal de união de todos os homens em Cristo».
De facto, para remediar os abusos, o Apóstolo recorda as circunstâncias da instituição da Eucaristia. É o relato mais antigo da Ceia do Senhor, de origem litúrgica, semelhante ao dos Sinópticos sobretudo ao de Lucas (Mt 26, 17.26-29.26.29.30; Mc 14, 1.22-26; Lc 22, 15-20.20), com variantes que refletem as tradições das comunidades de Jerusalém (Mt, Mc) e de Antioquia (Lc, Paulo). A fonte destas tradições remonta a Cristo (15, 3-5 nota). O sentido das suas palavras só pode ser compreendido à luz do AT (Ex 24, 6-8; Jr 31, 31-34). Fazei isto em memória de mim é repetido por Paulo depois da consagração do pão e do vinho, mencionado por Lc (22, 19) só depois da consagração do pão, e sem qualquer menção em Mateus e Marcos. Não significa apenas uma comemoração; é um memorial (Ex 12,14), uma evocação litúrgica que realiza o que recorda. Anuncia-se, proclama-se como facto actual e atuante, a morte do Senhor, na expetativa do seu regresso glorioso.
O Evangelista São João deseja mostrar como o ambiente próprio da Eucaristia é a Ágape, a refeição da caridade, e por isso mostra-nos o gesto radical dos escravos, o lava-pés dos seus Senhores. Eis Cristo, Servo dos Servos. Assim, pelo seu gesto, que constitui um dos momentos importantes da Ceia Pascal, Jesus manifesta-nos, concretamente, a Sua realidade de “Servo”, ou seja, a Sua humilhação, que atingirá o limite extremo na Cruz. Recorda-nos, na hora da Sua passagem para o Pai, onde está a essência da Sua doutrina. Manda aos seus discípulos que, como Ele e com Ele, estejam ao serviço humilde, generosos e eficaz dos irmãos. Lavar os pés significa ser servo de todos.
2. Meus irmãos e minhas irmãs, esta celebração eucarística, coloca-nos perante aquela noite única da História da Salvação e da Humanidade, quando Cristo, no Cenáculo, rodeado pelos Apóstolos, instituiu a Eucaristia, o Sacerdócio Ministerial e nos confiou definitivamente o mandamento do Amor Fraterno.
Meditando na perícope «sabendo Jesus que chegara a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele que amava os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim», perante esta afirmação sentimo-nos inundados de paz, pela beleza de tanto Amor, pois esta afirmação significa que Jesus amou os Seus discípulos até à sua morte na cruz, logo no dia seguinte, ou seja, em Sexta Feira Santa, porém também significa um amor ao extremo, ou seja, no supremo e insuperável grau de amar. Por isso esta noite de Quinta Feira Santa, nos recorda o quanto fomos amados. O Filho de Deus, no Seu Amor por nós, não nos deu algo, mas doou-se a Si mesmo, o Seu corpo e o Seu sangue, isto é, todo o Seu ser, a totalidade da sua pessoa., Deste modo, a existência da Eucaristia só se entende, porque Cristo nos amou e quis estar perto dos seus discípulos, para sempre, ou seja, de cada um de nós, durante todos os séculos, até ao fim dos tempos. Somente um Deus Amor poderia conceder um dom tão grande, somente Ele, com o Seu Poder e Amor infinitos poderiam implantar a maravilha desta beleza, nesta presença.
Invocamos o Senhor, pela Eucaristia que a Igreja sempre considerou como Dom mais precioso com o qual foi enriquecida. É pela Eucaristia que Cristo caminha connosco como luz, força, alimento e apoio em todos os dias do nosso quotidiano, da nossa história.
Se a Eucaristia é o centro e o coração da vida da Igreja, deve ser também o centro e o coração de cada vida cristã. Quem acredita na presença real de Cristo na Eucaristia, jamais se sente só na vida. Ele sabe quer em cada Sacrário vivo, há alguém que conhece o seu nome e a sua história. Aquele que nos ama, espera e escuta de boa vontade. Diante do Tabernáculo cada um de nós, marcado pela luz da Fé, pode confiar o que tem e não tem no coração e receber o conforto, a força e a paz daquele que é o Senhor.
A Eucaristia é um Dom não só para se acreditar, mas para se viver , pois, sendo expressão de todo o Amor de Cristo, Ele pede-nos abertura aos outros, Amor Fraterno, saber perdoar e ajudar os que estão em dificuldades.
É um convite à Caridade, através de solidariedade, ao apoio mútuo, sem nunca abandonar ninguém. A Eucaristia apela-nos ao compromisso pró-ativo com os pobres, os sós, os sofredores, os marginalizados. Celebrar a Eucaristia, compromete-nos com o olhar de Cristo, reconhecendo o Seu rosto, no rosto dos nossos irmãos e irmãs, sobretudos dos mais feridos e necessitados. Eis-nos discípulos alimentados por Cristo: bons Samaritanos e Cireneus, discípulos Missionários da Esperança, que procuram, acolhem, cuidam, inserem, confiam e partem juntos para a Vinha do Senhor.
O segundo mistério que recordamos nesta celebração é a instituição do Sacerdócio Ministerial Católico. Cristo, o Sumo e eterno Sacerdote disse: “Façam isto”, ou seja, o Sacramento da Eucaristia, “em memória de mim”! Na noite de Domingo de Páscoa, três dias depois, Jesus também disse aos Apóstolos: «Àqueles a quem perdoardes os pecados, serão perdoados e àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos».
Desta forma, Cristo irradiou para sempre todo o poder que o Pai lhe confiou. Assim, a Eucaristia e o Sacramento do perdão continuam a ser renovados pela Igreja. Deus é fiel, a promessa do Emanuel, concretiza-se nos sinais sacramentais da Eucaristia e do perdão: «Estarei convosco até ao fim dos tempos».
Permiti que conclua esta reflexão com um radical apelo à conversão: A noite que testemunha a mais alta manifestação de Amor é também a noite que testemunha a mais abjeta e horrorosa traição de Iscariotes. À volta da mesma mesa no Cenáculo, confrontam-se o Amor de Deus com a vil traição do homem. Por isso a Quinta Feira Santa é também um convite a fazermos um sério exame de consciência, e a reconhecermos os nossos próprios pecados. É afinal o colocarmos alguma ordem na nossa vida e iniciarmos o caminho do arrependimento e da renovação do nosso compromisso de vida cristã.
Que nos encontremos com a beleza da misericórdia de Deus, porque desse encontro floresce sempre a Páscoa gloriosa e florida em nossos corações. Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, Senhora do Cenáculo, rogai por nós.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora