A cidade de Mariupol, cercada por tropas russas e onde vivem cerca de 450 mil habitantes, é o retrato dramático da guerra na Ucrânia. Há relatos de uma destruição brutal, com bombardeamentos constantes, casas a arder, cadáveres nas ruas, a que se soma a falta de comida e de água. Ainda ontem, quarta-feira, dia 9, as autoridades ucranianas acusaram as forças russas de terem bombardeado o hospital. As comunicações estão também muito difíceis. A tudo isto soma-se a dificuldade em se conseguir activar corredores humanitários que permitam a saída efectiva das populações civis.
No entanto, há quem tenha já conseguido abandonar a cidade situada no leste da Ucrânia. No sábado, dia 5, por exemplo, uma caravana com cerca de uma centena de automóveis deixou Mariupol a caminho de uma zona mais segura. O Padre Pavlo, da comunidade dos Padres Paulistas, acompanhou estes novos refugiados procurando dar-lhes alguma assistência. A Fundação AIS conseguiu entrar em contacto com ele. Através das suas palavras compreende-se a dimensão da tragédia que se está a viver não só nesta cidade como em tantas outras zonas urbanas que se encontram debaixo de fortes bombardeamentos e quase isoladas do mundo exterior.
“Mariupol é como o Armagedão. É o inferno. Por favor, digam ao mundo: é uma tragédia. São só tiros aleatórios. A cidade inteira é como um grande campo de batalha. As bombas caem por todo o lado. Em todo o lado ouvem-se disparos. Mariupol é uma cidade rodeada pelo exército russo. As pessoas estão sentadas nas suas caves…”
O relato prossegue, impressionante. “Mal conseguíamos dormir. Ninguém conseguia dormir. Todo o nosso corpo doía devido aos ataques bombistas. Eu tinha montado um abrigo num canto – era onde eu vivia, por assim dizer. Estávamos todos assustados…”
O Padre Pavlo refere-se à sua própria igreja, o mosteiro ainda em construção e que estava a ser erguido com o apoio da Fundação AIS. E fez questão de o dizer. “O nosso mosteiro estava a ser construído com a ajuda da Fundação AIS e o edifício ainda não estava terminado. Infelizmente, não tínhamos cave. Nos últimos dias também já não tínhamos electricidade, nem água, nem nada para comer…”
Os últimos alimentos tiveram de ser racionados para lá do que seria razoável. “Durante dois dias só tive uma lata. Quando passamos por algo assim, não temos fome. Podemos sobreviver sem comida, mas não sem água. As pessoas deixaram as suas casas à procura de água e, como consequência, muitas delas morreram de forma brutal…”
As palavras do Padre Pavlo poderiam ser as de um repórter que procura explicar aos seus leitores como em apenas alguns dias uma cidade vibrante se transformou num inferno de onde todos desejavam sair. “Andar na rua em Mariupol equivale a suicídio. Dissemos aos fiéis que deviam ficar em casa e que não celebraríamos Missa, porque era demasiado perigoso…”
No sábado, formando um comboio com cerca de uma centena de automóveis, alguns dos habitantes conseguiram sair da cidade. Tiveram de passar por vários postos de controlo até que foram barrados por separatistas da chamada República de Donetsk. De novo, o relato do Padre Pavlo. “Não nos foi permitido ir mais longe, mas deixaram-nos procurar refúgio numa pequena aldeia. Depois disso, houve mais desvios. Tivemos connosco mulheres grávidas e crianças. Não consigo esquecer a imagem de uma mulher grávida, de joelhos, a implorar aos separatistas para nos deixarem passar, mas eles recusaram.”
Histórias dramáticas que ficarão para sempre retidas na memória. Como esquecer tanta tragédia, tanta violência? “Por todo o lado tudo destruído por bombas, e por vezes ter de conduzir à volta dos cadáveres que encontramos pelo caminho. Esta tragédia brada aos Céus!”
Quando falou com a Fundação AIS, as pessoas que o Padre Pavlo tinha acompanhado já estavam num lugar relativamente seguro. Mas o sacerdote continuava preocupado com os que continuaram na cidade. “O que acontecerá às pessoas que ainda estão em Mariupol? Não temos contacto com muitas pessoas. Não fazemos ideia de onde estão e de quem ainda está vivo. Mariupol é uma cidade cercada pelo exército russo. Querido Deus, quando é que tudo isto vai acabar? Rezem por nós!”
Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal