A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica em Portugal promoveu hoje a apresentação pública da equipa e plano de trabalho, divulgando contactos para recolher denúncias e testemunhas de vítimas.
“Foi vítima de abusos sexuais durante a sua infância e adolescência (até aos 18 anos), praticados por membros da Igreja católica portuguesa ou pessoas que para ela trabalham? Dê o seu testemunho. Faça-o com total garantia do nosso sigilo profissional e do seu anonimato”, refere o organismo, na sua nova página online, https://darvozaosilencio.org/.
Pedro Strecht, coordenador do organismo, disse aos jornalistas que a comissão existe “para estar ao lado das pessoas, tem disponibilidade toral para as escutar, a seu tempo e com tempo”.
“Todas contam”, assinalou.
Os testemunhos são recolhidos num inquérito online, numa linha aberta (+351 917 110 000) ou por email (geral@darvozaosilencio.org), sendo possível agendar um encontro presencial com membros da comissão, mediante marcação prévia por contacto telefónico.
A comissão apela a todos os órgãos de comunicação social, bem como a todas as entidades públicas e privadas incluindo a Igreja, que “adiram à missão de ‘Dar Voz ao Silêncio’ a vítimas de abuso sexual na Igreja Católica Portuguesa”.
Pedro Strecht assinalou que o organismo recebeu, por parte da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), total “autonomia” e confiança para “organizar e levar a bom termo” o seu trabalho, que vai decorrer até final de 2022.
O coordenador disse ter encontrado, por parte dos responsáveis católicos, uma posição “clara e invequívoca” sobre a necessidade de investigação.
O psiquiatra apontou como objetivo “esclarecer o melhor possível tudo quanto possa ter acontecido em Portugal”, no que diz respeito a esta realidade “tão necessária de apurar”, precisando “onde, como, quando e por quem” foram abusadas as vítimas.
Para Pedro Strecht, está em causa a “reparação da dignidade” de cada vítima, para que o seu testemunho seja acolhido e valorizado.
A conferência de imprensa contou com intervenções dos outros membros da comissão, a começar por Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente do respetivo Conselho Científico.
A responsável precisou que o objetivo da comissão é identificar abusos praticados por membros da Igreja Católica ou nas suas instituições, a fim de “ter uma noção dos números” de casos que aconteceram entre 1950 e 2022, e analisar as suas caraterísticas, procurando tipificar as várias situações.
O organismo vai proceder a uma análise da documentação em várias bases de dados e arquivos (APAV, IAC, Procuradoria-Geral da República), além da imprensa e arquivos históricos das dioceses.
Ana Nunes de Almeida sublinhou que o trabalho prioritário passa pelos “métodos de inquirição” para dar a palavra às vítimas desses abusos.
“Todas as vítimas, de todas as idades, todos os testemunhos para nós contam”, sustentou.Reprodutor de vídeo
Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça e antigo Ministro da Justiça, precisou os conceitos de “abusos sexuais” – “práticas sexuais que no Direito Penal português são suscetíveis de integrar crimes de natureza sexual” – e de “crianças” (0-18 anos), com os direitos próprios destas pessoas.
O especialista precisou que não vai estar em causa uma “investigação criminal”, mas um estudo, estendendo o atual critério da lei penal a todo o período de 1950 a 2022.
Face às prescrições, acrescentou, há que distinguir “denúncias” e “testemunhos”, pelo que se estabeleceu uma “relação direta” com a Procuradoria-Geral da República, para encaminhar possíveis práticas criminosas, com elementos de ligação com a comissão.
“Trabalhamos com total autonomia em relação à Igreja Católica”, insistiu.
Daniel Sampaio, psiquiatra e professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa, destacou a importância da comunicação, neste processo, para “captar aquilo que se passou no silêncio, durante tantos anos”, apelando à colaboração dos media.
O membro da comissão alertou para o “profundo sofrimento” das vítimas, com consequências que se estendem ao longo de toda a vida.
“O mais importante desta comunicação é ouvir o que não foi dito”, apontou, realçando que “é preciso dar tempo às pessoas”.
A comissão integra ainda Filipa Tavares, assistente social e terapeuta familiar, que trabalhou cerca de 25 anos numa IPSS, ‘Casa da Praia/Centro Dr. João dos Santos’ com famílias disfuncionais e de risco
“A voz de cada pessoa, de cada vítima, é única e conta”, assinalou.
Catarina Vasconcelos, cineasta, licenciada na Faculdade de Belas Artes com pós-graduação em Antropologia Visual no ISCTE e mestrado no Royal College of Art, Londres, apresentou-se como “membro da sociedade civil”.
“Trago questões, dúvidas, espanto e revolta perante estes casos”, declarou.
A equipa conta já com mais dois colaboradores, das áreas da psicologia clínica e comunicação social, e vão ser constituídas equipas para cada tarefa.
OC – Agência ECCLESIA
Sob o lema ‘Dar voz ao silêncio’, o organismo coordenado por Pedro Strecht foi apresentado em dezembro, assumindo o objetivo de chegar a todas as vítimas.A decisão de criar uma comissão independente foi tomada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) na última Assembleia Plenária, que decorreu entre os dias 8 e 11 de novembro, em Fátima. |