29 – O BISPO IDENTIFICA-SE COM CRISTO CRUCIFICADO

Uma das marcas do sacerdócio de Manuel Mendes da Conceição Santos foi a vida crucificada e configurada com o Senhor no Seu mistério pascal. Porém, esta não foi só a marca do seu episcopado, mas de toda a sua vida, oferecendo-se como vítima de amor e consagrando-se ao Seu divino Coração pelos que lhe foram entregues. Quando lemos os escritos espirituais de toda a sua vida é visível o seu sofrimento físico, espiritual e também material, plasmado nos seus suspiros de alma, sempre vistos e rezados com um olhar espiritual, unindo-se com frequência à Paixão de Cristo, numa absoluta confiança e filialidade ao Pai… no fundo, compreendeu e viveu a configuração com Cristo Pascal.
No seu retiro preparatório para a Ordenação Episcopal, este foi tema de meditação e de profundos propósitos.
O horto das Oliveiras é lugar escolhido para se sentar com Cristo. Entrando no acontecimento salvífico, descreve o ambiente da seguinte forma: “Jesus está em doce convívio com os Apóstolos, aquela expansão dulcíssima que se seguiu à última ceia enche-lhe a alma; entretanto, chega a hora marcada por seu Pai e cessam as expansões para começar o sacrifício austero. Para que o mundo saiba que eu te amo. Levantai-vos, vamos! Em sinal de amor, seu Pai corta por tudo, pela amizade mais santa, pela consolação mais doce e põe-se a caminho do sacrifício. Ali perto fica o horto, para lá se dirige e a cena que se segue é bem lancinante. A natureza abandonada a si mesma constrange-se à vista da imolação dolorosa que a espera, trava-se no íntimo de Jesus uma luta dolorosíssima entre a natureza que tem repugnância pela tortura e pela morte, e a sua vontade generosa e heroica, amorosa e dedicada que quer o sacrifício. A aflição é horrível, tão grande que o sangue espirra pelos poros em forma de suor e o corpo cai por terra exausto de fadiga e de tremores. Entretanto, o espírito de Jesus reconforta-se na oração, resignada e terna, que termina sempre por um ato de abnegação completo. E não varia de fórmulas; durante a longa agonia persiste na oração dizendo as mesmas palavras”.
Deste acontecimento retira um grande ensinamento para a sua vida: “Jesus não fraquejou um instante e orou, oferecendo-se para o que tanto lhe custava. É o que eu tenho a fazer: orar. Tenho a Jesus no sacrário; é chegar ao pé dele. Desabafar os meus receios, expor-lhe a minha aflição, abnegar-me nas suas mãos, e a coragem virá. Não direi muito, mas dizendo as mesmas palavras repetir-lhe-ei que por mim não posso, mas que nele espero e aceito sem condições a sua vontade amorosa, seja ela qual for. E Jesus dar-me-á forças, coragem para o sacrifício. Terei que esmagar tantas vezes o coração!… E quem sabe se terei de me expor a perigos e vaias? Não se faça a minha vontade, mas a tua!”.
Esta noite termina com o julgamento e a prisão de Jesus, depois de ser ilegalmente julgado pelo tribunal judeu e ser levado à presença de Pôncio Pilatos. Ante as duas apresentações, “Jesus não pensa em defender-se, deixa que as testemunhas se contradigam e mantém uma serenidade que impressiona o juiz. A este fala-lhe com respeito, mas com uma independência que o surpreende. Com efeito Jesus não teme a morte, está pronto a todos os sacrifícios. Diante dos poderosos, mesmo que me persigam, devo ser imperturbável e independente, embora sem orgulho. Diante de Herodes, das suas perguntas curiosas, das suas negações, Jesus mantém um silêncio esmagador”. E a sua prisão, essa foi “tumultuosa, de noite, com algazarra, turbamulta e traição. Pelo que respeita a si, Jesus nem sequer protesta, limita-se a mostrar estranheza por tamanho atropelo; mas pelos discípulos mostra-se cheio de cuidados e recomenda que os não molestem”.
Ante estes momentos dramáticos da vida do Senhor, Manuel Mendes como que vê passar diante de si o que virá a ser o seu ministério episcopal: “Meu Deus, cá vou para o martírio que me destinais; fazei que eu o aceite corajosamente”, porque, afinal, “sou vosso apóstolo, ó Jesus, sou vossa vítima”. Então, “se alguma vez eu houver de sofrer pela causa de Deus, procurarei que outros não sofram por minha causa, não quero ninguém envolvido nas minhas responsabilidades”, como aprendera do Seu divino Mestre.

A Postulação

28 – O BISPO RELACIONA-SE COMO CRISTO

Continuamos a percorrer os suspiros de alma de Dom Manuel Mendes naquele “pequeno retiro”, como ele próprio designou, de preparação para a sua ordenação sacerdotal. Ao lermos os seus apontamentos espirituais vamos percebendo como o Senhor foi mostrando ao Servo de Deus os Seus desejos que, sendo acolhidos com profunda docilidade de coração, se foram transformando em plano de vida espiritual ou programa de governo para uma diocese. Mais ainda, conforme vamos conhecendo mais profundamente a vida deste Servo de Deus, mais vamos compreendendo que aqueles “suspiros de alma” foram muito mais que simples aspirações divinas ou desejos de missão; são desejos de Deus de tal modo impressos no coração de Dom Manuel Mendes que se tornam estruturais na sua vida quotidiana, no seu ministério episcopal e na sua busca de santidade.
No dia 12 de abril de 1916, Dom Manuel Mendes medita profundamente sobre a forma como se havia de relacionar com Deus e com os homens, tendo, logicamente, por modelo o próprio Jesus. E d’Ele, aprende as três caraterísticas fundamentais da relação de Jesus com o Pai, tirando de cada uma delas um propósito para a sua vida de intimidade com o Senhor. São elas a obediência, o trabalho e a oração.
Em Jesus, como refere Dom Manuel Mendes, “a obediência foi a chave de toda a sua vida, a razão de todo o seu operar, desde o seu primeiro instante… eis que eu venho… para fazer a tua vontade; na sua adolescência, nas coisas que são de meu Pai… na Sua vida pública, eu sempre faço o que lhe agrada; ao aceitar a grande imolação, não se faça a minha vontade, mas a tua; e o seu derradeiro suspiro anuncia-se como a consumação da obediência, tudo está consumado. Amava com amor infinito a vontade amorosa e querida de seu Pai e, para a cumprir, sacrificava tudo”. Então, ele vai compreendendo que a sua obediência à vontade do Pai não poderá ser apenas propósito, mas “quero, para mim, a mesma regra: quero cumprir a vontade de Deus, obedecer-lhe em tudo, cumprindo os sagrados cânones e observando as ordens dos meus superiores, que me vêm de Deus”.
O trabalho foi a forma da qual Jesus viveu “para servir a seu Pai; e quase toda a sua vida no trabalho obscuro da oficina: sou pobre e dedicado ao trabalho desde a minha juventude”. Por isso, “também eu me quero consagrar ao trabalho para servir a Jesus, e não ao trabalho que me agrade, mas ao trabalho que lhe agrade a ele e que seja útil. Serei pontual sobretudo no trabalho de secretaria, não deixando para amanhã o que posso e devo fazer hoje; no estudo das matérias respeitantes ao meu ministério e na pregação preparada”. Basta, pois, sem grande preocupação, por exemplo, passar os olhos pelas suas agendas – já não me refiro aos testemunhos de quem o conheceu ou com ele viveu – e compreenderemos como foi um homem de trabalho, até por volta da meia-noite de 30 de março de 1955, dia em que morreu pelas 06 horas da manhã.
“Que dizer da oração de Jesus? Que arroubos, que verdadeira elevação do espírito e do coração a Deus, que afetos tão generosos, que aspirações tão vivas! E Jesus, embora não precisasse, ora sempre nas ocasiões críticas, sobretudo na agonia do Horto”, escreveu Dom Manuel Mendes. A partir desta afirmação escrita pelo servo de Deus, fruto da sua meditação, só pode sair um propósito: “Imitá-lo-ei. Procurarei de hoje em diante fazer uma hora de meditação por dia; e, quando as dificuldades me surgirem, na oração recolhida irei buscar luz e conforto. Pedirei a Jesus e a Maria que me ensinem a orar”, o que fez até à exaustão e das formas mais peculiares, não só cumprindo escrupulosamente os atos de piedade a que ao longo da vida se foi comprometendo, diante de Deus, mas também “reinventando-se” na sua relação com Deus pelos sacerdotes e pela Igreja em cada realidade social para onde foi enviado, não medindo esforços para que a ninguém faltasse pão, saúde, instrução e doutrina.
Da sua intimidade com o Senhor apreendeu duas virtudes para o trato com os homens: o recato e a caridade. Quanto ao recato, escreve Dom Manuel Mendes, “Jesus era impecável por essência, contudo é tão cauteloso, tão reservado nas suas relações com o próximo que quase se diria tinha medo de se dissipar. Nunca uma familiaridade excessiva, fosse com quem fosse; nunca uma expansão ruidosa ou inconveniente. Sendo tão doce e afável com todos, era sempre cheio de dignidade. A sua reserva não afastava, mas imprimia respeito, embora amoroso. Nunca precisou de reformar as suas relações com pessoa alguma, porque nunca as deixou chegar a intimidades que não conviessem”. Daí brotar do seu coração: “Que grande exemplo a seguir!” E, quanto à caridade, escreve: “Que foi a vida toda de Jesus senão o exercício contínuo da caridade mais sublime? As multidões seguiam-no, empurravam-no com a força da aglomeração, moíam-no com perguntas e Jesus não se impacientava; falava-lhes com inalterável mansidão, curava os seus doentes, matava-lhes a fome. Às vezes, usava de severidade, mas ainda isso era por amor, para regenerar ou para provocar uma expansão de fé, como com a cananeia”.
Assim sendo, “um bispo há de ser por excelência um homem de caridade, animado dos sentimentos de Jesus Cristo, pai dos pobres. Assim quero ser e procurarei ser, com o auxílio do divino Mestre. Que todos os diocesanos se convençam de que o bispo os ama e que podem desabafar com ele. É com caridade que se conquistam as almas”.
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27 – O BISPO É UM ENVIADO ÀS PERIFERIAS

Continuamos a acompanhar Dom Manuel Mendes da Conceição Santos, através dos seus apontamentos espirituais, escritos por ocasião do retiro preparatório para a sua Sagração episcopal, que decorreu de 09 a 14 de abril de 1916, em Ciudad Rodrigo, na Casa Santo Inácio de Loyola e que chegaram até nós através da obra “Alma do Arcebispo Apóstolo” de Dom Francisco Maria da Silva, membro do presbitério eborense e enviado para Braga, primeiro como Bispo Auxiliar e posteriormente como Arcebispo Primaz.
Neste breve artigo, convidamos à leitura dos apontamentos espirituais, tal e qual como nos foram deixados e que foram redigidos a partir das 11ª e 12ª meditações do seu retiro, escritas a 12 de abril de 1916. São de uma atualidade extraordinária, neste tempo em que o Santo Padre, o Papa Francisco, nos convida a vivermos em Igreja de saída, sem medo de ser rotulada como um “hospital de campanha” e nos envia às periferias do nosso tempo, deixando-nos o apelo de sermos uma Igreja da verdade e da transparência…
11.ª Meditação: Jesus e os seus inimigos. Entre as turbas com as quais Jesus se encontrou em contacto, nem todos se mostraram dispostos a ouvir a sua palavra. Os escribas, os fariseus e outros hipócritas malsinavam-lhe os intuitos e desorientavam o povo; os ricos e poderosos olhavam-no com desprezo e escarneciam-no. A uns e outros Jesus fala com severa dignidade. Desmascara os hipócritas, chama-lhes sepulcros branqueados, confunde a sua pretensa sabedoria. Contudo, como eles, embora no seu íntimo os não respeitem, exteriormente mostram uma grande observância dos textos da lei, Nosso Senhor diz ao povo que cumpra o que eles dizem e não imitem o que eles fazem. Procurarei imitar o desassombro de Jesus desmascarando os hipócritas políticos ou eclesiásticos que desorientam o povo, não deixando de proceder contra eles, com prudência, mas com energia, pelo facto de os ver estimados e protegidos.
Empenhar-me-ei para que Jesus não venha a dirigir-me a mesma repreensão. Terei vestes roçagantes, mitra, posição de destaque? Pois bem, não me ensoberbecerei por isso, lembrando-me que são misericordiosos adornos com que o Senhor cobre a minha miséria, a minha indignidade, a minha lepra, a fim de que o povo me atenda. São as divisas do meu ministério, a libré do meu serviço. Não sejam como as amplas túnicas dos fariseus, como as filactérias, como a sua aparatosa representação. Meu Jesus, fazei-me humilde, fazei-me compreender bem o meu nada.
Com os ricos, é Jesus de uma isenção absoluta, de uma grande severidade. Repreende-os não porque são ricos – entre os ricos tem discípulos e amigos – mas porque usam mal as suas riquezas. É rigoroso com eles, porque, sendo mais beneficiados por Deus, ofendem-no mais. Não é para lisonjear os pobres que censura os abastados, que antes a todos louva as virtudes, como a todos censura os vícios. Assim devo e quero ser eu: não deixar de repreender os ricos porque são ricos, não ser subserviente para com eles, mas também não lisonjear as paixões populares, fomentando com imprudentes invetivas os ódios de classe.
12.ª Meditação: Jesus e os pobres e os pequeninos. Em toda a sua vida pública, Jesus revela uma ternura particular pelo povo, pelos humildes, pelos que sofrem. Perdoa-lhes com suma facilidade, desculpa-lhes as grosserias e impertinências, está sempre pronto a atendê-los. O seu sentir traduz-se naquele inefável misereor super turbam [tenho pena da multidão] que comove os corações. Jesus tem uma compaixão imensa pelos sofrimentos do povo tão mal compreendidos. E é o povo também que melhor o entende, que constitui o grosso dos seus auditórios.
Este procedimento de Jesus é a minha escola. Como ele, eu quero consagrar ao povo todos os meus cuidados, amá-lo, instruí-lo, socorrê-lo. Não posso, infelizmente, curar os enfermos, mas posso visitá-los ou socorrê-los, pouco ou muito. Procurarei minorar o seu sofrimento por meio de obras de assistência e caridade. Ir em auxílio dos pobres com obras de caridade e previdência, Conferências de São Vicente de Paulo, Damas de Caridade, Caixas Económicas, Mutualidades e Sindicatos Católicos. O povo ignora as verdades essenciais para a salvação, pregar-lhas-ei, farei que os sacerdotes as preguem, tornarei efetiva a catequese para os adultos, conforme as prescrições pontifícias. Boa imprensa. E que não faz Jesus pelos pequeninos? Não pensemos que eram crianças bem educadinhas e polidas as que ele encontrava e acarinhava de ordinário: eram as crianças do povo, andrajosas, atrevidas, pouco asseadas e impertinentes. Eram estas que Jesus abençoava, chamava para si e contemplava com enlevo. Via as suas almas inocentes e ficava encantado: depois lembrava com tristeza e indignação os inimigos que as esperavam para as perverter e, dos seus lábios tão melífluos, saíam palavras de maldição. Aqui tenho muito que aprender.
Porventura hoje são menos preciosas ou menos inocentes as almas das crianças? Não lhes dá o santo batismo um realce particular? E hoje, infelizmente, na minha pátria está urdida uma conspiração de morte em volta das almas das crianças, coartada a catequese, pervertida a escola. Poderei ficar indiferente? De forma alguma, Jesus meu! Procurarei, apenas possa, iniciar uma campanha a favor da escola livre. Desde já proponho e prometo tratar a valer da catequese, da fundação da “Associação da Doutrina Cristã” nas paróquias onde ainda a não houver e insistir frequentemente com os párocos neste ponto. Pensar desde já nas obras de perseverança e preservação, nomeadamente recreatórios e patronatos.

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26 – O BISPO É ENVIADO AO MUNDO

“Hoje, infelizmente, em Portugal, não se adora a Deus em espírito, porque há poucas convicções profundas, a religião é superficial e rotineira; não se adora em verdade, porque há muita superstição e não se tem da religião um conceito verdadeiro e exato. E estas duas chagas tenho que me aplicar a curá-las, pregando, trabalhando, estimulando os padres a pregar e a trabalhar convenientemente. A causa da decadência religiosa em Portugal tem sido a inércia do clero: urge repararmos esta falta”… É desta forma que, com inteligência e a capacidade de análise que o carateriza e o coração inundado no divino Coração de Cristo Bom Pastor, com o qual se quer identificar pessoal e pastoral, Dom Manuel olha e contempla o Portugal nos primeiros anos de contacto com a República, implantada apenas cinco anos antes da sua sagração episcopal, anotando esta reflexão no seu caderno de apontamentos espirituais, a 11 de abril de 1916. São os últimos apontamentos deste dia, que iniciou com os apontamentos acerca da grandeza do estado episcopal e das qualidades e deveres do Bispo, a partir da perícope evangélica sobre o Bom Pastor.
Pegando no encontro de Cristo com a Samaritana, compara a sociedade portuguesa com a samaritana a quem Jesus Cristo, o Bom Pastor e, por sucessão apostólica, o Bispo é enviado. Jesus é enviado ao mundo, à “samaritana” daquele tempo e realidade social e cultural e, como o santo arcebispo escreve, “faz que não percebe as alusões descabidas, continua sempre o diálogo, vai lançando por ele fora a semente de preciosos ensinamentos, sobretudo um que quero aproveitar: é preciso adorar a Deus em espírito e verdade”. Então, a partir de Jesus, Dom Manuel Mendes entende como deverá ser a sua atitude, ante a realidade vigente: “Eis o meu divino modelo em ação. Aqui tenho eu o bom Pastor, não já metafórica, mas realmente, correndo e fatigando-se atrás da ovelha perdida. Com que ânsia Jesus faz a sua viagem para a encontrar! Com que suavidade fala à pecadora! Ao seu falar atrevido e impertinente Jesus opõe uma suavidade inalterável”. Desta forma, “com a sua suavidade, com a sua paciência arranca à samaritana a confissão dos seus desvarios, ou antes um princípio de confissão que ele completa confundindo-a santamente. Eis o que eu tenho a fazer também. Se as minhas pregações tivessem sido mais mansas e desprendidas, quantas almas não teria eu trazido para Nosso Senhor! Ao menos de hoje em diante quero adorá-lo e fazê-lo adorar em espírito e verdade!”
No fundo, Dom Manuel Mendes vai descobrindo, na sua oração, que a sua missão episcopal o leva ao homem como ele é, na sua história concreta, com as dificuldades próprias do seu tempo, simplesmente com a missão de peregrinar com Cristo em direção ao homem e, com Cristo, levar o homem à verdadeira Vida, à comunhão da Trindade, não se deixando prender às qualidades ou aos defeitos dos destinatários mas sim à pessoa humana, amada por Deus que cada um deles é, salva pelo Sangue Redentor de Cristo. O Bispo é aquele que se deixa acompanhar sempre por Cristo, como nos refere Dom Manuel Mendes ao escrever nos apontamentos de 12 de abril de 1916, acerca de Jesus na sua vida pública: “sem me fixar particularmente em ponto algum, eu acompanho Jesus no seu peregrinar incessante e trabalhoso através da Palestina e contemplo-o no seu trato com as multidões”.
Para bem caminhar com Cristo e dedicar-se à santificação dos homens que vivem no mundo e são chamados a santificar as realidades temporais, segundo Dom Manuel Mendes, o Bispo tem de aprender do Senhor e viver com Ele “o absoluto desprendimento de si mesmo. Não se preocupa consigo, nem com o cansaço nem com as apreciações do mundo: tem diante dos olhos a glória de seu Pai e só por ela trabalha, só essa procura”. Para isso, o Senhor “esconde sob o humilde aspeto humano a sua personalidade divina e como que a esquece”.
Esta maravilhosa descoberta tornou-se, em Dom Manuel Mendes, propósito e vida. Propósito por decidiu que esse seria “o modelo que tenho a imitar: quero esquecer-me de mim, pôr-me de parte para só buscar a glória de Deus. Não ofender a ninguém de propósito, mas não deixar de cumprir o meu dever, embora desgoste seja quem for. A Deus é que eu não quero descontentar e a Deus quero ter sempre diante dos olhos. Pôr de parte todas as considerações humanas, quando se trate da glória de Deus e da salvação das almas”, como refere nos apontamentos acerca da 10ª meditação do referido retiro. E vida porque a tornou palpável em todos os momentos da sua existência. Cada testemunho, tanto os que são historicamente conhecidos, por exemplo a célebre discussão que levou à queda do governo por causa da Lei do toque dos sinos de 1923, até ao mais simples caso, são de uma naturalidade profunda, levando, algumas vezes, a chamar a atenção das famílias que o receberam porque não queriam que as crianças (filhos dos empregados) se aproximassem do Prelado para não incomodar…

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25 – O BISPO É… IMAGEM DO BOM PASTOR

Dos apontamentos espirituais escritos ao longo do retiro preparatório para a sua ordenação episcopal ou, como se dizia no seu tempo, para a sua sagração episcopal, encontramos, como texto evangélico basilar para as meditações feitas no dia 11 de abril de 1916, o texto joanino onde Jesus se apresenta como o “Bom Pastor”. Nele, segundo João, Jesus diz de Si mesmo: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas. O mercenário, e o que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo e abandona as ovelhas e foge e o lobo arrebata-as e espanta-as, porque é mercenário e não lhe importam as ovelhas. Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me, assim como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai; e ofereço a minha vida pelas ovelhas. Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Também estas Eu preciso de as trazer e hão de ouvir a minha voz; e haverá um só rebanho e um só pastor. É por isto que meu Pai me tem amor: por Eu oferecer a minha vida, para a retomar depois. Ninguém ma tira, mas sou Eu que a ofereço livremente. Tenho poder de a oferecer e poder de a retomar. Tal é o encargo que recebi de meu Pai” (Jo. 10, 11-18).
Se a este texto já se referira na primeira meditação, acerca da grandeza do “estado episcopal”, é nas duas meditações seguintes que mais profundamente identifica o seu ministério episcopal com o ministério pastoral de Jesus Cristo. Por isso, fruto da sua sétima meditação, o Padre Manuel Mendes começa por escrever: “O bispo é por excelência pastor”. E desenvolve esta afirmação, escrevendo: “Nosso Senhor traçou-lhe o modelo no Evangelho, descrevendo as caraterísticas que deve ter um bom Pastor e, em contraposição, faz notar os defeitos do mau pastor, do mercenário, que só pensa em encher-se e locupletar-se à custa das ovelhas, sem ter amor por elas e abandonando-as ainda bem não vê o lobo ao pé do rebanho, de modo que este entra, primeiro estabelece a confusão e depois arrebata e devora as ovelhas”.
Segundo Manuel Mendes, “A qualidade primária do bom pastor é o amor. Antes de o encarregar de apascentar as suas ovelhas, Nosso Senhor exigiu de São Pedro uma tríplice profissão de amor. Também de mim Jesus quer, antes de mais nada, um amor sincero e ardente, amor por ele e consequentemente amor pelas suas ovelhas”. Desta qualidade faz a seguinte oração e tira o seguinte propósito: “Sim, ó Jesus, eu quero amar-vos muito, apaixonadamente, e por amor de vós amar até ao sacrifício mais abnegado as vossas ovelhas, procurar as que se tresmalham, guardar cuidadosamente as que se conservam fiéis”. Repentinamente, parece que a sua alma pára e contempla os homens e as mulheres que andam longe do Amor e afastados de Deus, por quem desabafa: “Pobres almas! Estão cercadas de tantos perigos!”. Então, reforça o seu propósito: “O amor não descansa, e, portanto, eu também não quero descansar para que nenhuma das minhas ovelhas se perca, ao menos por minha culpa”.
Além do amor, são qualidades do Bispo, Bom Pastor, “a ternura, falar com carinho às almas transviadas (e a todos) mostrar-lhes no trato generoso e afável o amor que lhes tenho”.
E quais são os deveres do Bispo, Bom Pastor? “São os que Jesus dá a conhecer quando descreve a ação do bom pastor: dá a vida pelas suas ovelhas, defende-as, conhece-as”. Consciente, escreve: “É verdade que eu não as posso conhecer uma por uma; posso, porém, conhecer as paróquias e as necessidades peculiares de cada uma, posso conhecer os padres e nomeadamente os párocos, e todos esses conhecimentos procurarei diligentemente obter”.
Quão profundos e maravilhosos são os apontamentos deste que foi o mais jovem bispo de Portugal acerca da nova missão que vai assumir… e quão bela é a história, quando nos vai mostrando que Dom Manuel Mendes não se ficou por bons e bonitos propósitos, mas que os viveu de forma heroica, ao longo de toda a sua vida e que se resume no grande, belo e consciente propósito retirado de uma das suas meditações deste mesmo dia: “Quero interessar-me a valer pelas minhas ovelhas, não as abandonar quando a maçonaria, os governos ímpios ou os propagandistas do erro as quiserem perverter ou desnortear. Tenho que ser bom pastor, pronto a dar a vida pelas ovelhas”.

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24 – O Bispo é

Entramos agora no retiro de preparação para a Ordenação Episcopal de Dom Manuel Mendes da Conceição Santos e, com ele, no mais íntimo na sua alma… Estamos em Ciudad Rodrigo e no dia 11 de abril de 1916. Depois de ter dedicado os primeiros dois dias a meditar nos Novíssimos do Homem, o Padre Manuel Mendes entra no terceiro dia da sua paragem e, com ele, na razão de ser da sua “paragem abrupta”, pois nunca fez retiro neste mês e – pior ainda – nunca pensaria fazer retiro por esta razão. Sente-se incapaz de tão elevada missão ou, como ele próprio inicia os seus apontamentos espirituais deste dia, “Sobre a minha miséria o Senhor quer levantar um grande edifício. Estremeço ao comparar a minha indignidade com a sublime dignidade que vem sobre mim”.
O primeiro ponto de reflexão desta nova fase do retiro, que o leva a tirar propósitos muitos concretos e a descobrir os seus pontos de luta tem a ver, como ele próprio intitulou, com a “grandeza do estado episcopal”. A partir das três expressões com que é denominado o Bispo, Manuel Mendes compreende profundamente a missão que lhe é confiada e que ele resumiu da seguinte forma: “Ficaremos indissoluvelmente unidos. Como nos desposórios materiais, mas de maneira mais sublime, deixarei tudo, parentes, amigos, relações, para seguir a esposa e viver para ela. Tudo o mais passa para um plano secundário”. Fruto desta meditação, tirou o seguinte propósito: “Desde agora eu proponho e prometo trabalhar pelo teu aperfeiçoamento, pelo teu esplendor porque despondi te uni vivo virginem castam exhibere Christo [desposei-te com um único esposo, Cristo, a quem devo apresentar-te como virgem casta]. Oxalá eu saiba afervorar e compreender cada vez melhor este amor e esta missão”.
O Bispo é, como anota o Padre Manuel Mendes, o sucessor dos apóstolos. “Como os apóstolos, eu sou enviado para dar testemunho de Jesus Cristo. E tenho que o dar, com as palavras, com as obras e com o sofrimento, quando for necessário”. A missão é grande e o instrumento sente-se tão fraco para tão grande missão… “Eu quero, mas sou tão fraco…” “Que misericórdia e ao mesmo tempo que confusão para mim!”… “Que cuidado preciso ter para bem representar a Jesus, para não trair a embaixada que me confiou!”
O que fazer? Dizer ao Senhor no íntimo do seu coração: “Meu Jesus, fazei que eu dê sempre testemunho de vós. Como os apóstolos non ego elegi eum sed ipse elegit me [não fui eu que o escolhi, mas foi ele que me escolheu]. Também como os apóstolos, pro Christo legatione fungor [eu sou embaixador de Cristo]”.
A segunda palavra escrita por Manuel Mendes e que refere profundamente a sua missão é a palavra Episcopus, ou seja, Bispo. Com esta expressão, ele toma consciência que “Sou superintendente, inspetor, vigilante”. Num clima histórico-político tão adverso à realidade do Evangelho, pois estamos a viver a primeira república, o seu coração estremece e a sua pena escreve: “Que deveres tremendos incluídos nesta palavra! Não posso distrair-me com outras coisas, tenho que velar, olhar continuamente, para que as ovelhas se não tresmalhem, para que o lobo não entre no rebanho”. Porém, a vigilância ou a superintendência não é à maneira dos homens nem por substituição a Jesus; é sim, à maneira de Jesus e em profunda união com Ele, pois é Ele o primeiro que sempre está de vigia; por isso, o futuro Bispo de Portalegre escreve: “Jesus, velando de contínuo no sacrário, será o meu modelo. Vigilate et orate. Pastor. Bonus pastor animam suam dat pro ovibus suis [Vigiai e orai. O Pastor. O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas]”. Consciente da sua missão e da sua realidade, reza ao Senhor: “É assim que eu quero ser: mas como, se sou tão egoísta? Ó Jesus, transformai-me!”.
Por fim, a terceira palavra na qual o Padre Manuel Mendes pega para se referir à sua missão, é a palavra Praelatus. Antistes, ou seja, Prelado, Antístite. “Quer isto dizer – escreve ele – que devo ir adiante de todos na diocese, de sacerdotes e leigos: preciso de ser o primeiro na piedade, no amor de Deus, no zelo, na prática, em suma, das virtudes cristãs: preciso de ir à frente quando se tratar de defender os direitos de Deus, quando houver alguma coisa a sofrer por Cristo e pela sua Igreja”.
Consciente do chamamento da Cristo, escreve: “Oh! eu quero ser prelado desta maneira”, consciente da sua fragilidade, “assusta-me, porém, sempre o conhecimento da minha incapacidade” e consciente de que não vale a pena lutar contra o Senhor, confia e reza: “Meu Jesus, dai-me forças, já que me chamais!”.
Quanta lucidez e quanta atualidade lemos neste pequeno número dos seus apontamentos espirituais. Se não soubéssemos que são de Dom Manuel Mendes, não poderíamos dizer que são de algum Bispo dos nossos tempos ou mesmo do Papa Francisco?…

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23 – O Bispo… sentimentos, propósitos e pilares

A 09 de dezembro de 1915, data da Bula de nomeação, o Papa Bento XV nomeia e envia o Cónego Manuel Mendes da Conceição Santos para Portalegre como Bispo dessa Diocese.
A fim de se preparar para o exercício do novo ministério que lhe é confiado, em abril de 1916, Manuel Mendes desloca-se a Ciudad Rodrigo para fazer o seu retiro preparatório para a sua ordenação episcopal. Segundo os seus apontamentos e propósitos deste tempo de reflexão, tratou-se apenas de um “retiro tão pequeno” e tão profundo, diremos nós hoje, ao ler as suas meditações particulares de cada um dos temas que serviram para a sua reflexão.
Nos seus apontamentos deste reitor começamos por ler, em jeito de título, “exercícios espirituais preparatórios para a sagração episcopal”.
A sua atitude interior era a dos apóstolos: “Vou entrar no Cenáculo, a fim de me preparar para receber o Espírito Santo: quero estar, como os Apóstolos, com Maria Santíssima: Eram perseverantes na oração com Maria, a Mãe de Jesus” e o seu sentimento predominante era igual ao de um soldado enviado para as fileiras de uma batalha ou, como poderemos ler nos seus próprios apontamentos, «Um pensamento me domina nesta hora solene da minha vida: marchar intrépido para o sacrifício com os olhos em Deus. Estamos em tempo de guerra. Um comandante reúne os soldados durante certo tempo, ensina-lhes o exercício das armas, depois manda-os marchar para a guerra, e os soldados vão serenos e impávidos para a morte ou ao menos arriscam-se a ela. Assim devo ser eu. O Senhor chama-me e manda-me ocupar um posto difícil e arriscado. Eis-me aqui, Senhor! Envia-me: irei, não quero nem devo ser menos generoso do que os soldados que vão para a guerra. Senhor, para trabalhar, para sofrer, para morrer, eis-me aqui! É assim que eu me quero considerar, como um batalhador que se oferece para morrer, por uma causa tão nobre, por um Senhor tão bom, que nada se lhes pode comparar. Em vista disso, desprender-me de tudo, fazer de antemão, no meu íntimo, sacrifício de tudo a Nosso Senhor, para que nada me prenda. Recebe, Senhor, toda a minha liberdade, todos os meus afetos, o meu tudo, a minha vida».
Com este sentimento, Manuel Mendes vive o seu “retiro tão pequeno”, no qual tira profundíssimos propósitos e que a posteriori percebemos terem sido levados muito a sério, primeiro em Portalegre e depois na Arquidiocese de Évora para onde, cinco anos mais tarde, o mesmo Papa Bento XV o envia, dando entrada no dia de Nossa Senhora de Lurdes do ano de 1921. Foi a vivência desses mesmos propósitos que fizeram de Manuel Mendes referência para a Igreja e, não poucas vezes, “pedra no sapato” do Estado. São eles: “Ser todo da Diocese; viver modestamente; não me poupar, quando se trate do bem dos diocesanos, sobretudo do bem das suas almas; trabalhar sem ruído e, quando a glória de Deus o não exija, procurar que não conste o que por Deus se for fazendo, na Diocese; ser sinceramente amigo dos padres, mostrar-lhes que os estimo e procurar captar-lhes a confiança, com os olhos em Deus e só em Deus; não transigir com abusos; mas não recorrer a meios violentos senão no fim de ter esgotado todos os meios suasórios e de mansidão cristã; afastar com delicadeza, mas com enérgica persistência, toda a interferência de seculares na colocação de sacerdotes e no regime e administração espiritual das igrejas; esforçar-me por não exigir dos meus cooperadores sacrifícios a que eu me não sujeite; sem faltar às leis da delicadeza e das conveniências, evitar visitas amiudadas de mera cortesia ou distração; evitar cuidadosamente que se possa dizer que o bispo tem medo e por isso deixa de cumprir este ou aquele dever; não tomar nenhuma resolução importante sem primeiro orar e consultar, havendo tempo, pessoa prudente e virtuosa; pôr acima de todas as considerações e conveniências os direitos de Deus e o bem das almas. Dizer a mim mesmo: «Deus quer isto? Pois bem, vamos para diante, custe o que custar»; ter horas certas, sobretudo no que respeita a serviço de interesse público; procurar que a minha casa seja edificante pela piedade que ali reine; acostumar-me a edificar o meu próximo pelas minhas conversas particulares. Para isso procurar impregnar-me do espírito de Jesus Cristo e viver só para este Divino Mestre; sem provocações imprudentes e sem exibicionismos pretensiosos, arrostar generosamente com as perseguições ou mesmo com a prisão, quando veja que isso convém para a glória de Deus; com os olhos em Deus, esforçar-me por ser afável, manso e humilde com todos, pequenos e grandes como Jesus quer; ser igual para todos e afastar cuidadosamente do meu espírito toda a parcialidade ou preferência que não assente no mérito real das pessoas”.
Como seria possível alcançar estes propósitos? Destes mesmos propósitos compreenderemos como: «Fazer uma hora de oração cada dia; manter as atuais práticas de piedade; confessar-me todas as semanas e ter uma direção seguida de consciência; visto ter de me limitar agora a um retiro tão pequeno, fazer no próximo verão exercícios, pelo menos de oito dias, para neles determinar o regulamento de vida e completar a obra deste retiro».
Só alicerçado numa vida espiritual séria seria possível ser fiel a tão bons propósitos… A história deste Servo de Deus mostra-nos que alcançou os propósitos … porque levou sempre uma vida espiritual muito séria, alicerçada no abandono e na confiança…
A Postulação

22 – Vantagens e desvantagens de ser jesuíta

Estamos em 1914… Manuel Mendes da Conceição Santos está a viver de um certo cansaço, depois de tantas lutas que teve de empreender até esse momento; se recuarmos na história, encontramos uma criança que entra no Seminário e pouco tempo depois vai para sua casa para se recompor de fragilidades de saúde; à hora em que tudo está previsto para ir para Roma, adoece novamente e só poderá ir no ano seguinte; após três anos de estudo em Roma, onde a sua inteligência, espírito de sacrifício e profunda intimidade com o Senhor suprem o que falta à saúde, regressa ao seu país natal, onde integra a equipa formadora do Seminário Patriarcal de Santarém e o seu quadro docente, ao qual vem posteriormente a complementar a docência no Liceu Nacional de Santarém.
Em 1905 é enviado para a Guarda como Vice-Reitor do Seminário, acumulando, posteriormente, o governo da diocese, a administração da tipografia e o seu trabalho jornalístico, missionário e espiritual ao serviço da cidade e da Diocese da Guarda, em momentos de particulares alterações na sociedade portuguesa, com o aumento das forças maçónicas contra a Igreja e a implantação da República em Portugal….
Neste contexto, o jovem sacerdote coloca-se diante de Deus e recoloca a possibilidade de se tornar membro de uma comunidade religiosa, integrando a Companhia de Jesus. O seu coração está dividido. Enquanto a Igreja em Portugal é chamada a dar a conhecer a vida e as virtudes do sacerdote a fim de ser elevado ao episcopado, ele coloca-se diante de Deus, olha para o seu interior e, sem perder tempo a pensar na possibilidade de ser Bispo, ganha virtude a pensar na forma e no lugar onde poderá crescer na intimidade com Cristo e na sua santificação.
Depois de analisar e transcrever as vantagens e desvantagens de viver o seu sacerdócio de forma secular, ocupa-se, na sua oração, de procurar discernir as vantagens e desvantagens de ser sacerdote religioso. Nos seus apontamentos espirituais podemos ler: “Vantagens sendo sacerdote religioso: 1ª, ficaria inteiramente tranquilo em minha consciência com respeito aos ministérios que devo exercitar ou deixar de exercitar; 2ª, estaria mais unido com Deus e teria mais facilidade em aprender a fazer oração que me é tão necessária; 3ª, estaria livre das agitações que traz consigo o concurso a benefícios e livrar-me-ia da probabilidade de subir a honras, para o que sou muito propenso; 4ª, no desprezo com que o mundo olha os religiosos teria um remédio para o desejo que tenho de ser estimado; 5ª, no recolhimento da vida religiosa teria mais ocasião de pensar na minha vida, reconhecer a gravidade de meus pecados e chorá-los sinceramente; 6ª, tenho de ser contrariado em muita coisa e terei assim a satisfação de fazer a vontade de Deus por amor d’Ele; 7ª, vejo na religião muito mais segurança para cumprir os deveres sacerdotais e especialmente os que respeitam a castidade e piedade; 8ª, terei, nos Santos da Ordem, um estímulo muito especial para me santificar; 9ª, muitas vezes eu tenho sentido desejos de abraçar este estado e os motivos foram principalmente os seguintes: a) Quando eu era pequeno li muitas vidas de santos e o seu exemplo fazia-me ter desejos de deixar o mundo e de seguir uma vida mais perfeita; b) Ao ver os atos de virtude que se praticam numa casa religiosa e a paz que aí reina, tenho, por vezes, sentido o mesmo desejo; c) Vendo a felicidade de que gozam os religiosos ainda mesmo pelo que diz respeito ao temporal (estão livres de cuidados) vem-me o desejo de imitá-los; d) Desejando, às vezes, dar-me inteiramente a Deus, vejo que é na vida religiosa que eu o poderia fazer sem impedimentos; e) Encanta-me aquele abandono de si mesmo que se pratica nas ordens religiosas e quereria também eu ser assim; 10ª) Sinto por vezes uma espécie de temor instintivo de que cessem aquelas causas que me impedem de entrar em religião, o que prova, talvez que, no meu íntimo, estou convencido de que é para ali que Deus me chama; 11.ª) Evitaria os riscos e as responsabilidades da vida paroquial.
Desvantagens de ser religioso: 1.ª) Não poderei prestar à diocese os serviços que o Prelado de mim esperava; 2.ª) A minha compleição não é das mais fortes e por isso não poderia com grandes rigores; 3.ª) Receio que, fazendo-me religioso, me mandem coisas que me custem muito, como seria talvez ir para as missões; 4.ª) Custa-me bastante deixar a convivência de certas pessoas com as quais tenho relações de amizade muito estreitas; 5ª ) Não poderei fazer certas obras em serviço da boa causa, que tenho planeadas com alguns sujeitos que também vieram de Roma; 6.ª) Custar-me-ia muito o exercício da pobreza como S. Afonso a descreve no seu Opúsculo sobre a vocação (§ IV — 1.°); 7.ª) Receio não ficar inteiramente tranquilo ao entrar em religião, por causa de ter de estar sempre (ao menos nos exercícios) a fazer novas eleições, com respeito a uma ou outra coisa; 8.ª) Receio uma grande humilhação se não for perseverante; 9.ª ) Não poderia ajudar minha família que hoje está reduzida à pobreza e espera de mim que a ampare, e, especialmente minha Mãe, cuja vida tem sido um martírio prolongado, como creio que há poucos. Entretanto se não precisasse de mim talvez se resignasse”.
Quanto discernimento encontramos nós nestes apontamentos… quanta lucidez e busca sincera da vontade de Deus, não obstante as circunstâncias pessoais e sociais que está a viver…
A Postulação


21 – Vantagens e desvantagens de ser Padre Diocesano

Estamos num momento conturbado na vida de Manuel Mendes da Conceição Santos. Por um lado, o seu coração pedia-lhe que considerasse o seu lugar ao serviço da Igreja (pela segunda vez, a procura do seu lugar entre ser padre diocesano ou padre secular inquieta a sua alma); por outro lado, a sua figura moral, intelectual, sacerdotal e apostólica era de tal projeção nacional que, ao vagar uma sede episcopal, o seu nome entrava imediatamente no grupo dos possíveis bispos daquela diocese. Se quanto ao lugar onde viver e exercer o ministério sacerdotal ele andava muito confuso, quanto ao chamamento ao episcopado estava profundamente lúcido, considerando que não tinha capacidades para exercer tal ministério… Por isso, em atitude de retiro espiritual, pedia as luzes ao Espírito sobre o lugar do seu sacerdócio e, de “entreajuda eclesial”, valeu-se dos seus conhecimentos para apresentar a sua “auto-incapacidade”, apelando a que se desmentissem publicamente as notícias acerca da possibilidade de ser Bispo…
Neste momento difícil para si, Manuel Mendes vai apontando as vantagens e as desvantagens de ser padre diocesano e padre jesuíta. Deixemos, pois, que seja a sua alma a escrever os próximos artigos e a nos apresentar as vantagens e desvantagens de continuar a ser padre diocesano: “Vantagens, sendo sacerdote secular: 1ª, poderia, com o auxílio de Deus, fazer bem às almas dos futuros sacerdotes no Seminário de Santarém, procurando incutir-lhes as ideias que em Roma me foram inspiradas; 2ª, poderia concorrer para dar aos estudos teológicos uma orientação mais conforme à sua índole que a que se segue em Portugal; 3ª, se o meu Prelado me mandasse para a vida paroquial, poderia fazer algum bem ao povo com algumas novas práticas que se usam lá fora, ou me fossem sugeridas por algum bom livro; 4ª, poderia, se Nosso Senhor me inspirasse a isso, fazer algumas tentativas para introduzir as missões de sacerdotes seculares, os quais tantos frutos produzem lá fora; 5ª, com o ministério do confessionário poderia fazer grande bem às almas em Santarém e em Torres Novas; 6ª, concorreria por agora com conselhos e com a minha companhia para o bem espiritual de meu irmão; 7ª, tendo liberdade, poderia ir ora a umas ora a outras terras, tendo para isso oportunidade, e aí exercitar o ministério de pregação e do confessionário; 8ª, tendo sido mandado estudar a Roma para servir a Diocese, eu não devo talvez escolher um estado que me poderá impedir de prestar aqueles serviços que o Prelado de mim esperava; 9ª, o Santo Padre disse-me que viesse para Portugal trabalhar pelo movimento católico, pois havia cá falta dele. Ora, sendo religioso não poderia corresponder ao que o Santo Padre mostrou querer de mim”.
Porém, também há, segundo o seu coração, desvantagens em ser Padre diocesano e são elas: “1ª, terei que me ocupar de negócios temporais ou por causa da família ou para prover à minha sustentação; 2ª, corro muito risco de me dar à dissipação já pela convivência com a gente do mundo, já pelos exemplos pouco edificantes de alguns sacerdotes; 3ª, dificilmente me poderei eximir dos inconvenientes que trazem consigo os concursos a benefícios, atento o modo como se dão os benefícios em Portugal; 4ª, terei ocasião de satisfazer uma certa ambiçãozinha de honras e dignidades que sinto, embora diga que quero ser humilde; 5ª, uma das razões que me leva a querer ficar no estado de sacerdote secular é um certo desejo que tenho de estar no que, relativamente a este estado, se poderia chamar o grande mundo”.
Quando uma alma é de Deus, não tem medo da verdade de si mesmo!..

A Postulação


20 – Elevando ao Episcopado

A figura moral, intelectual, sacerdotal e apostólica do Cónego Dr. Manuel Mendes da Conceição Santos era de tal projeção no país, pela sua defesa da doutrina católica e da liberdade da Igreja de Jesus Cristo, ante todos e quaisquer tipos de poder que, ao vagar uma sede episcopal, logo o seu nome era apontado como futuro Bispo dessa Diocese. Um exemplo interessante e com alguma piada passa-se em 1914. Qual não é o seu espanto, quando Manuel Mendes lê, no jornal “Legionário Transmontano” que fora eleito Bispo de Bragança…
Imediatamente se apressa a desmentir tal informação e, valendo-se das relações de amizade com antigos condiscípulos, agora ocupando altos cargos na Cúria Romana, a quem pede que haja um desmentido oficial por parte da Santa Sé, ao que lhe é respondido, por um dos seus grandes amigos: “Em resposta à tua carta devo dizer-te que não posso fazer sentir no ‘Legionário Transmontano’ a falsa (ou verdadeira) notícia da tua nomeação para Bispo de Bragança, porque mal conheço o Dr. Fernandes. Será mesmo verdadeiramente falsa tal notícia que hoje foi confirmada pelo ‘Libertá do Porto’? Mas, para te deixar mais contente, escreverei a um amigo de Braga para publicar em ‘Ecos do Minho’ que não está provado que tu sejas nomeado Bispo Bragantino. É o que posso fazer por ti”.
Se, por um lado, esta carta tão enigmática prova que Manuel Mendes não fora indigitado como Bispo de Bragança, por outro lado, contrariamente ao que era o seu maior desejo, também não veio comprovar que nunca seria elevado ao Episcopado…
Enquanto andava à procura do seu lugar (se na vida sacerdotal secular ou se na vida religiosa, ingressando na Companhia de Jesus), – destinos de Deus…, pois um ano antes havia posto pela segunda vez a hipótese de entrar na Companhia de Jesus. A primeira havia sido nas vésperas da sua ordenação sacerdotal – o Espírito Santo preparava o “novo lugar” para o Cónego Manuel Mendes da Conceição Santos e não era, com toda a certeza, o exercício do seu sacerdócio na Companhia de Jesus nem o seu exercício no ministério presbiteral. Tudo o Espírito Santo orientava para que o seu lugar fosse ao serviço de uma Diocese, não como presbítero, mas sim como Bispo, como era preconizado pela voz do povo de Deus. Nos caminhos da Providência divina estava escrito que, como descreve Francisco Maria da Silva na sua emblemática obra “A Alma do Arcebispo Apóstolo”, “a barca de Pedro se fizesse não rumo ao Norte, para Bragança e outras paragens, mas rumo ao Sul, a Portalegre e a Évora”, o que veio a acontecer a 09 de dezembro de 1915, data em que é assinada, pelo Santo Padre, o Papa Bento XV a Bula de nomeação do Presbítero Manuel Mendes da Conceição Santos como Bispo de Portalegre.
O Senhor, que o chamara ao sacerdócio, fazendo-o, porém, buscador do seu lugar como presbítero da Santa Mãe Igreja, vai mostrando onde seria verdadeiramente o seu lugar, fazendo-o coluna da Igreja, como sucessor dos apóstolos, ao serviço de uma Igreja diocesana, com quem se desposa e por quem dá a sua vida, vivida sempre no limite da condição e do cuidado humanos e da entrega a Deus e aos filhos, que a Igreja lhe concede. Consciente da missão, ainda que não conhecedor das inúmeras e terríveis vicissitudes que teria de viver, confia a sua vida nas mãos do Senhor e da sua “boa e terna Madrinha”, Nossa Senhora, o seu episcopado e o retiro preparatório para a sua sagração episcopal, como se dizia na época, o qual se realizou em Ciudad Rodrigo.
Seguindo o esquema dos exercícios espirituais inacianos adaptados àquela circunstância concreta, o já eleito Bispo de Portalegre, Dom Manuel Mendes da Conceição Santos, fruto da intensidade espiritual e mística com que viveu aquela experiência de Deus, deixa-nos um verdadeiro e extraordinário manual da teologia e espiritualidade do Bispo, com uma profunda atualidade, passados mais de cem anos da sua realização.
Na sua mente e no seu coração, analisava com profunda lucidez o momento histórico que se estava a viver e a missão que lhe era confiada: “nesta hora solene da minha vida: marchar intrépido para o sacrifício com os olhos em Deus. Estamos em tempo de guerra. Um comandante reúne os soldados durante um certo tempo, ensina-lhes o exercício das armas, depois manda-os marchar para a guerra e os soldados vão serenos e impávidos para a morte ou ao menos arriscando-se a ela. Assim devo ser eu. O Senhor chama-me e manda-me ocupar um posto difícil e arriscado”.
A confiança em Deus era a palavra de ordem e a razão de ser de todos os seus propósitos: “Eis-me aqui, envia-me; irei, não quero nem devo ser menos generoso do que os soldados que vão para a guerra. Senhor, para trabalhar, para sofrer, para morrer, eis-me aqui! É assim que eu me quero considerar, como um batalhador que se oferece para morrer, por uma causa tão nobre, por um Senhor tão bom, que nada se lhe pode comparar”.

A Postulação


19 – A sua força estava na oração

De onde recebia o Padre Manuel Mendes a força para continuar a lutar, não obstante tantos embates? De onde lhe vinha a luz para ultrapassar os momentos de escuridão? De onde lhe vinha o entusiasmo que o levava a ultrapassar as injúrias vindas de fora e não menos de dentro da Igreja e que ele tão bem conhecia, vivendo como se não existissem? Onde era a fonte da tenacidade que o ajudava a suportar tão grande e exigente missão de levar por diante Cristo e a Sua mensagem a toda a criatura, em tempos tão hostis à Igreja e tão adversos a Jesus Cristo? De onde lhe vinha a robustez para, na fidelidade ao Santo Padre e aos seus ensinamentos, influenciar e apoiar o nascimento do Partido Nacionalista, que se propunha defender a Doutrina Social da Igreja? De onde recebia o ânimo para marcar, com a sua presença nos diversos Congressos, o apoio a este partido? De onde lhe vinha a inspiração e o conhecimento para, mesmo quando teve de fazer uma conferência de forma absolutamente improvisada acerca da ação da Igreja no campo social, como defensora dos pobres e oprimidos, como aconteceu em Braga, em 1909? De onde lhe vinha a capacidade de perdoar a quantos, na refrega com que esclarecia os adversários, o apelidavam de forma pejorativa de “jesuíta”?
A fonte de toda essa vitalidade interior advinha-lhe da estreita união com Jesus Cristo e Sua santíssima Mãe, a quem confiava a sua vida e a sua missão; a quem se oferecia em reparação pelos atos cometidos contra o Coração do Divino Salvador; a quem levava para todos os seus ambientes e situações, nunca faltando, a quem quer que fosse, uma atitude respeitadora e cordial, uma atenção especial e uma palavra delicada e cristã. Tudo isso só era possível porque, em Cristo, encontrara a Sua razão de viver; com Cristo encontrara a razão de servir e, por Cristo, a razão de sofrer… ainda que, a cada dia que passava, a vida fosse mais difícil.
Para se aquilatar da intensidade da sua vida espiritual, durante estes anos em que audazmente lutou por Deus e pela Pátria na arena difícil da cidade da Guarda, não possuímos, infelizmente, muitos documentos escritos. As suas obras, todas de fomento da vida sobrenatural, e o testemunho de muitos que receberam o seu benéfico influxo, são o argumento externo que nos confirmam no que temos como axioma: à medida que os dias passavam e que a luta era mais difícil, mais o seu espírito se unia a Deus numa doação total.
É de 7 de junho de 1907, festa do Sagrado Coração de Jesus, a consagração escrita por seu punho, que transcrevemos, porque nos dá a justa medida da sua ascensão espiritual: “Coração dulcíssimo de Jesus, profundamente humilhado e intimamente confundido pela minha ingratidão e mesquinhez para convosco, venho, neste dia, prostrar-me a vossos pés e pedir-vos humildemente perdão. Coração abrasado, não me recusareis de certo esta graça. Eu quisera também compensar-vos das ofensas que neste sacramento sofreis, tendes sofrido e sofrereis de mim e de tantos outros; mas que poderei eu oferecer-vos que seja digno de vós?
Ah! meu Jesus, não permitais que eu vos torne a ofender ou que de vós me afaste. Dai fervor, generosidade, amor ao meu coração, para que ele seja uma vítima imolada por vós. Vejo-me tão fraco, tão inconstante, tão indigno, que não me atrevo a grandes promessas; faço-vos, porém, ó meu Jesus, plena e irrevogável oferta de mim mesmo. Ofereço-me a vós, em honra de Maria e pelas mãos de Maria, para o que vós quiserdes e como vós quiserdes, sem reserva nem condição alguma. Se quereis que eu sofra, seja humilhado e desprezado, tudo isso eu quero por vós, peço-vos, porém, amor para amar isto tudo, porque eu nada posso. Irrevogavelmente a vós me consagro, não quero nada por mim, mas tudo por vós, meu amor supremo.
Ao vosso Coração me consagro, nele quero viver, nele quero morrer para mim e para o mundo. Já não pertenço a mim mesmo, fazei de mim o que vos aprouver. Abençoai o meu sacerdócio, abençoai a minha missão nesta casa, abençoai os seminaristas que me confiastes, abençoai o meu Prelado, abençoai os meus parentes, e tomai posse de mim. Ó Jesus, amor e só amor!”

A Postulação


18 – Na formação de uma Igreja consciente e responsável

O jornalista insigne Joaquim Dinis da Fonseca, em jeito de testemunho, apresenta, de forma bastante esclarecedora, a missão do Padre Manuel Mendes na formação de uma Igreja consciente e responsável: «Quando o conheci, era eu menino e moço e tinha à minha volta todas as consequências sociais e todas as perversões sociais do liberalismo: o arrefecimento da fé católica ancestral, a invasão naturalista e paganizadora, a indisciplina e o descrédito da autoridade civil e religiosa, o culto idolátrico do estrangeiro e o vilipêndio de tudo o que ainda era português! Foi neste meio e nesta atmosfera que teve de atuar o apostolado cristão do então novel sacerdote P. Mendes dos Santos.
Recordo-me do primeiro artigo escrito, pelo recém-chegado reitor do Seminário, para a revistinha, A Guarda, precursora do que viria a ser, com o mesmo título, o glorioso órgão da imprensa católica. Esse artigo glosava uma velha lamentação suscitada pela invasão agarena na Península, arrasadora da antiga florescência cristã. Quem é hoje ainda cristão e godo nestas terras pisadas pelas hostes agarenas! Perante a invasão maçónica que avançava, o Padre Mendes Santos exclamava por seu turno: quem há aí ainda católico e português nestas terras outrora de Santa Maria?!…
Desse artigo podia extrair-se todo o programa que o novo Reitor do Seminário se propunha executar, com acendrado espírito sobrenatural e ascético fervor: era preciso renovar as fontes sobrenaturais do cristianismo do nosso país; era preciso libertar a Igreja das gargalheiras regalistas que a asfixiavam; era preciso renovar a velha alma nacional, que fizera toda a nossa grandeza histórica, renovando o conceito da autoridade e o respeito e cooperação que lhe são devidos, contra os fermentos desagregadores da anarquia individualista; renovar o conceito de justiça social e de caridade social de que a vida portuguesa fora exemplo, contra os fermentos da desordem económica e financeira que haviam empobrecido a nação e feito o seu descrédito no mundo! A Providência chamava-o para mestre e orientador deste movimento, embora poucos o pudessem suspeitar, ao vê-lo tomar conta da reforma de um seminário provinciano!
Essa missão de que a Providência o incumbira, exerceu-a até ao fim, com insuperável inteligência e intemerata fidelidade, restaurador do espírito eclesiástico, como Reitor do Seminário da Guarda; impulsionador do movimento em favor da independência e liberdade da Igreja, contra o regalismo, ou cesarismo disfarçado, fingindo este dar apoio às regalias episcopais contra a autoridade da Santa Sé, para, no fundo, acorrentar sacerdotes e Bispos à tirania balofa de um poder civil cuja autoridade desservia os interesses da Pátria e afundava o prestígio da Nação!
Em todos estes lances, a Igreja encontrou, em D. Manuel da Conceição Santos, o Mestre e orientador arguto e intemerato na defesa das liberdades da Igreja, contra os que as negavam, ou falsamente as defendiam, fazendo delas apenas trampolim político!
A sua formação eclesiástica fora completa e doutrinalmente esclarecida; a sua atividade sacerdotal sempre iluminada pelos esplendores de um espírito sobrenatural incorruptível; a sua autoridade de professor e de Prelado sempre atenta aos ensinamentos, advertência e diretrizes da Igreja, fazendo dele um guia sempre pronto e seguro, um Mestre sempre escutado, um Chefe sempre acolhido com respeito, nas horas perturbadas e trágicas em que a Autoridade da Igreja foi abertamente negada por uns, e respeitosamente desacatada por outros, numa rebelião perturbadora da disciplina católica e da própria unidade da fé!»

A Postulação


17 – Na formação de uma Igreja consciente e responsável

A missão do Padre Manuel Mendes que mais deixou marca na Diocese da Guarda foi, sem dúvida, por um lado, a de vice-reitor do Seminário diocesano e impulsionador da obra das vocações, por outro lado, a de governador na prática dessa mesma Diocese. Porém, como alguém afirmou um dia, “as paredes do Seminário não eram capazes de reter cativo o espírito do Vice-Reitor”.
Impelido pela missão de levar a Boa Nova a todos os que, naquele contexto histórico e social tão adverso à Igreja e à doutrina deixada por Jesus Cristo, fez-se voz e testemunho de Cristo na vida dos homens. Rezou e fez rezar, anunciou e viveu o que propôs a cada cristão: encontrar-se com o Senhor na oração, encontrar o Senhor na caridade. Com o objetivo de levar cada cristão à vida de oração, tudo fez para que, em cada Paróquia, existisse um centro do Apostolado de Oração, criando onde não existia e animando os decaídos; onde era possível, fundava a Associação das Filhas de Maria e, ante a pobreza existente, porque a “fé sem obras é morta”, fundou a obra do Agasalho dos Pobres, como consequência prática dos ensinamentos do Papa Leão XIII, apresentados através da Encíclica Rerum Novarum, com a qual se iniciou, de forma organiza e esquematizada, a Doutrina Social da Igreja, a ponto de, pelos grupos mais conservadores da sociedade egitaniense, ser apelidado de “Socialista”.
Convencido do prodigioso poder da Imprensa para a difusão dos ensinamentos da Igreja, dedicou-se, de alma e coração, ao jornalismo onde a sua ação foi ainda mais saliente: nesta fase da sua vida, colaborou na revista Estudos Sociais de Coimbra e no jornal diário Novidades e fundou o jornal diocesano “A Guarda” e, para que os seminaristas aprendessem a importância do jornalismo e dessem os primeiros passos nesta ciência, fundo o jornal A Abelha.
Como jornalista, anotam os Anais Torrejanos, “bem conhecido é o valor e o brilhantismo da sua pena” e o jornal A Guarda, numa homenagem ao Padre Manuel Mendes, escreve: “durante anos foi ele que escreveu todos os artigos de orientação e de responsabilidade aí publicados como foi ele quem sempre dirigiu o jornal. À sua proficiente direção se devem, pois, os magníficos triunfos que A Guarda conta no seu passado e as gloriosas tradições que ilustram a sua vida”.
Manuel Mendes não foi apenas diretor, mas também “um intemerato batalhador, mestre dos mestres do jornalismo e, em larga medida, o criador do jornalismo católico, no sentido com que a Santa Sé o definiu e o Patriarca de Lisboa um dia explicou: com a eloquente gentileza que é timbre do seu talento oratório e padrão da sua sapiente prudência literária, foi um príncipe dos jornalistas, na vastidão da cultura, na técnica da composição, no desinteresse pessoal, no zelo ardente das altas e nobres ideias que a Igreja representa, defende e espalha”, como Francisco Maria da Silva, seu biógrafo, realça na obra “Alma do Arcebispo Apóstolo”. Também o jornal A Guarda, num dos seus números do ano de 1956, refere que “desde o princípio, ainda que as afanosas lides lhe roubassem o tempo, estivesse longe ou perto, sempre o seu primeiro pensamento, o seu mais útil trabalho era o jornal, certo de que, hoje como ontem, é à imprensa, mais que aos tablados dos comícios e mesmo às grades dos púlpitos, se deve o melhor quinhão na evangelização social do povo”.
Para suportar os preços da edição do jornal e não depender de qualquer outra reprografia, ousou o Padre Manuel Mendes criar a empresa “Veritas” e a ela dedicou toda a sua alma e todos os recursos da sua vastíssima inteligência. Pode mesmo afirma-se que terá sido umas das suas melhores e mais perduráveis obras.
No intuito de criar o gosto pela necessidade da evangelização, o Padre Manuel Mendes, nos princípios de dezembro de 1905, ou seja, pouco tempo após chegar à diocese da Guarda, levou por diante a realização do primeiro Congresso da história da Igreja em Portugal sobre a Catequese, motivado pela belíssima Encíclica “Acerbo Nimis” do Papa Pio X, onde apresenta à Igreja egitaniense o célebre “Catecismo de São Pio X” e profere uma conferência subordinada ao tema “Pio X e o Catecismo”. E, na continuidade deste trabalho em prol da catequização de todas as faixas etárias, traduz e adapta à realidade portuguesa o famoso “Compêndio da Doutrina Cristã”, o qual formou cristãmente tantos católicos durante décadas e décadas.

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16 – No governo da Diocese

A perseguição à Igreja não desarmava. Dirigia-se principalmente contra o episcopado, sobretudo devido à sua reação contra a Lei da Separação da Igreja do Estado, pela forma como se encontrava redigida. Prevendo tempos difíceis e anormais para o governo da Diocese, D. Manuel Vieira de Matos, depois de, em 1909, por proposta sua ao rei D. Manuel II, conforme os costumes da época, o padre Manuel Mendes ter recebido o canonicato, decidiu nomear três governadores para a Diocese: os cónegos Barbas Freire, António Augusto Lopes e Manuel Mendes da Conceição Santos; e a razão está bem patente na Provisão de nomeação de 1911: “… para no caso de nos vermos forçado a deixar a diocese ou de sermos impedido de a administrar” porque, como refere D. Manuel Vieira de Matos no mesmo documento, é necessário “providenciar à regular administração da nossa Diocese na época anormal que a Igreja vai atravessando no nosso País”.
Afirma Francisco Maria da Silva na grande Alma do Arcebispo Apóstolo que “embora juridicamente seja o reverendo cónego Barbas Freire o governador, de facto, quem exerceu esse múnus foi o cónego Mendes dos Santos. São centenas as cartas que se conservam do Arcebispo exilado para o ‘Senhor Reitor’, tratando os mais variados assuntos relativos à Diocese, aos padres e ao apostolado em geral. Como centenas são as cartas recebidas por ele de sacerdotes, muitas repletas de pessimismo e do desânimo que lhes ia na alma. A todos encorajava, fortalecia, traçava normas com caridade, prudência e firmeza. E a todos defendia, sobretudo aos que eram perseguidos por amor da Igreja.
Pode mesmo afirmar-se que, nos momentos difíceis que a revolução de 5 de outubro de 1910 trouxe à vida das dioceses em Portugal, o Cónego Mendes Santos esteve à altura das circunstâncias na luta intrépida pelos direitos da Igreja, como bem se compreende ao ler-se a transcrição da sua intervenção em pleno tribunal em defesa de um sacerdote, da qual ousamos transcrever alguns excertos: “Pela primeira vez, nos anais deste tribunal, se viu um luzido grupo de Senhoras da primeira sociedade de Trancoso, a assistir a uma audiência. Gentilmente o senhor juiz mandou-lhes oferecer cadeiras adentro da teia, onde se viam também numerosos advogados e cavalheiros dos mais distintos da vila”.
“Quem afinava também de grande era o senhor administrador do concelho cuja ciência canónica não emparceira com o brilho do seu apelido e com ele a igrejinha doméstica, incluindo o infeliz sacerdote que se prestara a esta burla. Contra esse padre foi instaurado processo na cúria episcopal, por causa de gravíssima irregularidade que praticava”.
“Reaberta a audiência continuou a ser inquirido o senhor dr. Mendes Santos, ou melhor, continuou o debate entre o sr. dr. Delegado e esta testemunha, sobre o assunto que fora discutido na véspera. Por vezes a discussão acalorou-se, tornou-se palpitante, apaixonando o público que a ia seguindo com avidez, manifestada no religioso silêncio com que era escutada; e terminou após uma hora e meia, durante a qual, sempre com delicadeza irrepreensível e numa forma elevada se trocaram de parte a parte rijos botes de argumentação”.
“E voltando ao ponto de partida, como o sr. dr. Delegado tivesse aludido à possibilidade de o arguido ter desacatado as leis da República, o sr. dr. Mendes Santos disse que a República, pela letra da Constituição, garante a liberdade de consciência e esta supunha a liberdade integral da religião; mas se um dia uma lei pretendesse ingerir-se no domínio da sua consciência e impedir-lhe a prática da religião que professa e ama, ele sujeitar-se-ia às penalidades da lei, mas não atraiçoaria por ele a sua consciência e a sua religião”.
Palavras proféticas.
Junho de 1923

A Postulação


15 – Vice-Reitor do Seminário da Guarda

Tempos difíceis para a Igreja: arrombavam-se as portas dos templos, violavam-se os sacrários, mutilavam-se as imagens sacras, espoliavam-se os bens da Igreja, perseguiam-se os sacerdotes e os bispos, afastavam-se os fiéis do culto comunitário e vigiava-se o culto familiar e privado. É neste contexto que, em abril de 1903, Dom Manuel Vieira de Matos é nomeado Bispo da Guarda. Levava como plano pastoral para aquela diocese formar solidamente o clero, animar a Pastoral Juvenil e fortalecer o apostolado no meio operário.
Um plano tão divinamente ambicioso como humanamente impraticável neste contexto histórico. A não ser que, a seu lado, tivesse um colaborador tão inteligente como modesto, tão ativo com contemplativo ou sobrenatural, tão competente como afetivo… Com estas caraterísticas Dom Manuel Vieira de Matos, dos tempos de Bispo Auxiliar de Lisboa, só conhecia um sacerdote, na diocese de Lisboa, oriundo dos lados de Torres Novas e que estava a exercer o seu ministério no Seminário patriarcal de Santarém como professor, o Padre Manuel Mendes da Conceição Santos.
Havia, porém, um problema: esse sacerdote, porque era da diocese de Lisboa, só poderia ser deslocado para a diocese da Guarda se o Cardeal Patriarca o permitisse, o que percebeu, por resposta a cartas suas que era impossível, o que o levou a recorrer às mais altas instâncias eclesiásticas e a um diálogo muito pouco cordial, até que Dom José Sebastião Neto finalmente acedeu enviar o Padre Manuel Mendes para a Guarda, a fim de assumir a formação do futuro clero daquela diocese. Com a responsabilidade de ser “vice-reitor do Seminário da Guarda”, chega àquela cidade episcopal, sob os auspícios da Santíssima Virgem, sua “boa e querida madrinha”, no dia 8 de setembro de 1905 e, com ele, a fama que o acompanhava de cavaleiro ilustre, sacerdote exemplar e professor cheio de mérito.
As instruções recebidas do Bispo diocesano e a personalidade do Vice-Reitor do Seminário, alicerçada numa sólida piedade, numa vida disciplinar perfeita e de uma nítida compreensão da alta e exigente missão sacerdotal, foram influenciando a decisão livre e responsável de cada um dos candidatos ao sacerdócio que, não revelando quaisquer aptidões, fossem pedindo para abandonar aquela instituição. Ao mesmo tempo que internamente cuidava da disciplina da comunidade residente no Seminário, exteriormente defendia a sua honra, os seus direitos e os seus formadores e formandos. Provam-no a carta por si enviada ao “Jornal do Povo”, em 1912, a fim de corrigir algumas afirmações que punham em causa a seriedade dos sacerdotes ali residentes e com missão formativa, através da qual deixa os seguintes esclarecimentos: “todos eles são dignos, de comprovada honradez e probidade, incapazes de abusar do seu ministério (no que aliás, cometeriam um crime gravíssimo) e eu prezo-me também de ter a hombridade necessária para não admitir infâmias desta ou doutra espécie”.
E quando tentam pôr em causa a parcialidade do Vice-Reitor, este responde com toda a firmeza: “dessas informações assumo toda a responsabilidade, desde que tenham sido dadas por mim, pois me guio sempre pela minha consciência e assim espero continuar a fazer, aconteça o que acontecer. Dos meus atos estou pronto a dar contas a quem tenha direito de mas pedir; os motivos que imperam no meu ânimo ao dar qualquer informação não posso nem devo assoalhá-las em público, proíbe-mo a dignidade e o respeito que devo às minhas funções e ao bom nome alheio”.
Estas injúrias vindas de fora e de dentro da Igreja eram simplesmente fruto do desejo de esvaziar a Igreja da sua moralidade com o intuito de, com justificação, encerrar o Seminário, o que veio a acontecer, sem motivo algum, a 28 de outubro de 1914, através de uma intimação na qual estava escrito que o Vice-Reitor deveria enviar os alunos para casa, despedir os formadores, abandonar a casa, entregar as chaves… depois de a 15 de abril de 1913, terem encerrado a sua Igreja e proibido o culto. Porém, não se deixou o Padre Manuel Mendes quebrar ante tal decisão e, a 30 de dezembro do mesmo ano, já estava a celebrar a Eucaristia num edifício, no Fundão, para onde iria, a partir de janeiro de 1915, o “Internato Académico” (Seminário da Guarda) com 25 alunos (seminaristas)…

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14 – Os primeiros anos ao serviço do Reino

Ordenado Presbítero, Manuel Mendes continua a exercer as funções para as quais tinha recebido nomeação do Cardeal-Patriarca de Lisboa, Dom José Sebastião Neto, aquando da sua chegada a Portugal, ou seja, ser o Prefeito de Estudos do Seminário Patriarcal de Santarém, ministério que o acompanhou durante 5 anos, de 1900 a 1905, e professor do terceiro ano de latim, de conversação latina e de teologia dogmática. Em 1903, a estas disciplinas juntou ainda a lecionação da disciplina de Alemão e participação no júri dos exames de Inglês, no Liceu Nacional de Santarém.
A par da docência, a vida do Padre Manuel Mendes ao serviço do Reino abarcou muitas outras áreas, fundamentalmente no campo espiritual, fomentando uma verdadeira e profunda vida espiritual em tantas almas que, através dos retiros por ele pregados, da confissão sacramental ou da direção espiritual, foi considerado unanimemente um homem de coração e de talento.
Ocupa ainda um lugar muito importante no exercício do seu ministério destes primeiros anos de sacerdócio o serviço da pregação. Fruto do conhecimento que lhe vinha do estudo, da sensibilidade que lhe vinha da oração e da eloquência simples da palavra tocante que lhe vinha do conhecimento da pessoa humana e ainda da sua história de vida, amassada na Palavra de Deus, torna-se um inflamado e bem conhecido pregador (caraterísticas que manteve até aos últimos dias da sua vida para os mais variados e ilustres auditórios), porque anunciava Jesus Cristo aos homens com sede de Deus, matando a sede dos homens com a sede de Deus.
Exemplos claros são os seus escritos nestes primeiros tempos, onde se percebe que cada pregação era preparada com todo o cuidado e conhecimento da doutrina da Igreja, minúcia e arte no uso da sua língua materna e maturidade nascida da reflexão, que o levava a escrever com maestria, simplicidade, profundidade, musicalidade e extremo coração. Proferida na sua terra Natal, a sua primeira pregação manifesta, com profunda clareza, as caraterísticas anteriormente referidas: “Bela e consoladora é para todos vós e para mim esta coincidência […]. Para vós, porque no dia da glorificação da Virgem, vindes render pública e solene homenagem ao culto do Divino Espírito Santo, àquele por cujo hálito a Igreja é bafejada, cuja ação a anima, cujo influxo a vivifica […]. Para mim, porque filho desta freguesia, batizado nesta Igreja e tendo passado entre vós os primeiros anos da minha existência, não posso deixar de sentir um não sei quê de extraordinário em meu coração ao ver-me de novo entre vós a distribuir-vos o pão da divina palavra”.
Testemunha Francisco Maria da Silva, na obra “Alma do Arcebispo Apóstolo”, que o Padre Manuel Mendes “começou por onde todos começam: subiu, porém, a alturas de pouco atingidas. Foi Mestre na arte de dizer e entrou na Academia. Uma nota impressionante desde já: a fidelidade ao Evangelho. A sua pregação tem uma constante, que são as verdades eternas e reveladas, aplicadas sempre às necessidades dos novos tempos. Começou o seu magistério no púlpito, mostrando os flagelos inerentes ao pecado; quem o ouviu, ainda nos últimos anos de vida, quando subia à cátedra solene da Sé ou se dirigia a auditórios simples, pode testemunhar que o tema ainda era idêntico. Cristalizará? Mas o Evangelho não é constante? Uma só coisa o preocupava: a glória de Deus e que os homens, com a sua vida honesta e pelo cumprimento integral do seu dever, prestassem ao Senhor as homenagens que Lhe são devidas”.
Todo este trabalho nunca o impediu de estudar, familiarizando-se e aperfeiçoando os seus conhecimentos nas línguas inglesa, francesa, alemã, espanhola e italiana, usando-as tanto na escrita como na oralidade com altíssima correção e “manejando-as com excecional facilidade”, como, mais tarde, grandes literatos o testemunham. Guilherme de Vasconcelos Abreu, notável orientalista, contemporâneo do Padre Manuel Mendes e considerado por muitos “insuspeito e sábio professor”, testemunha que “fazendo um propositado, embora disfarçado, exame ao saber do sr. Dr. Mendes Santos, concluí que era mais sabedor do que eu podia suspeitar”.

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13 – Manuel Mendes prepara-se para a Ordenação Presbiteral

Manuel Mendes, como ficou conhecido desde os tempos do Roma, regressa a Portugal. Depois de, a 4 de maio de 1898, terminar o seu doutoramento em teologia, regressa ao país que o viu nascer e crescer na vida e nas virtudes naturais, como na vida sobrenatural e na caminhada vocacional, para, a 12 de dezembro do mesmo ano, ser ordenado diácono. E, cinco meses mais tarde, a 27 de maio de 1899, recebe, na Igreja do Seminário patriarcal de Santarém, pela imposição das mãos e oração consecratória, a sua ordenação presbiteral.
Antecedeu a esta data o seu retiro preparatório para a ordenação, aquele dia tão esperado e desejado pelo jovem Manuel Mendes e que, pelas circunstâncias da sua débil saúde, algumas vezes terá pensado não vir a passar de sonho, com início no dia 19 de maio. Colocando-se ele diante de si mesmo e do Senhor, a sua primeira atitude é reconhecer a razão daquele tempo de intimidade e que, fruto dos sentimentos do seu coração, transcreve no seu bloco de apontamentos: “A importância deste retiro deduz-se do seu fim, que é regular as nossas contas com Deus e pôr-nos no caminho da salvação. Os meios que temos para tirar dos exercícios todo o fruto devido são uma grande pontualidade em cumprir o horário e uma grande generosidade para com Deus”. E termina os seus apontamentos com uma breve oração: “Ó Jesus, eu me lanço nos vossos braços, disponde de mim como Vos aprouver, fazei de mim o que quiserdes. Que eu me reforme!”.
Meditando o Diácono Manuel Mendes no fim último do sacerdócio, conclui que é um dom “altíssimo, mas tremendo. É continuar a obra de Jesus Cristo na salvação das almas e oferecer o sacrifício augusto em que se imola o mesmo Deus. É um ministério que faria tremer os anjos… quais os meios para desempenhar bem estas funções e conseguir o fim? A oração mental, o Ofício Divino e a santa Missa”; o propósito que tira desta meditação é o seguinte: “Não deixar nunca a meditação, não deixar a preparação e ação de graças da Missa”; e o seu lugar é com Cristo Crucificado e Maria, no alto do Calvário: “Como obedece o meu Rei àqueles malfeitores, como os perdoa e reza por eles… E eu? Pelo menos, vou imitá-lo de agora em diante: ouvi os meus clamores. Reza pelos que o crucificam, dá-nos a sua Mãe como nossa Mãe. Como te amamos, ó Mãe? Ó Maria, lembra-te do testamento do teu Filho e faz de mim o teu verdadeiro filho. Tenho sede! Sede de quê, ó Jesus? Do sofrimento e das almas. Aqui está a sede que devo ter como sacerdote, principalmente se o Senhor quiser algum sacrifício e desapego de mim mesmo. Depois de tanto sofrimento, Ele entregou o Seu Espírito ao Pai. Porquê? Para poder dizer que tudo está consumado. Ele cumpriu a vontade de Seu Pai. Também eu quero repetir as mesmas palavras no fim da minha vida; e, todos os dias, quero sacrificar e fazer o que Deus quer que eu faça. Então, começo a paz!”
Fruto deste mesmo retiro, que durou uma semana e no qual procurou rever toda a sua vida, fazendo da sua ordenação presbiteral uma “repartida” que o levaria à meta onde Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote estaria à sua espera e o acolheria com o abraço da Trindade, no reino dos céus, nasceram grandes propósitos, os quais foram preocupação constante ao longo de toda a sua vida, não só na dimensão espiritual ou sobrenatural mas também na dimensão natural, a fim de, cada vez mais, se aproximar do Senhor e com Ele viver uma profunda e séria comunhão. Exemplos desse desejo são, a fim de alcançar a virtude da temperança, “não me exceder na comida e sobretudo na bebida. Não me levantar da mesa sem ter feito alguma mortificação de gula” e, para obter a virtude da caridade, “ser muito afável e doce para com todos. Não me impacientar com os pecadores e usar para com os pobres de uma benevolência especial”. Para alimentar e sustentar a sua vida de fé, propõe-se “fazer todos os dias, apenas levantado, meia hora de meditação. Fazer sempre a preparação para a missa e no fim pelo menos um quarto de hora de ação de graças. Muito recolhimento na Missa. Confissão Semanal. Retiro mensal, nas quintas antes da primeira sexta-feira. Exame geral quotidiano e particular sobre o amor próprio. Terço quotidiano e devoção a São José”.
Foi com estes profundos propósitos – sem deixarem de ser simples e acessíveis a todos –, que o jovem Manuel Mendes subiu ao Altar do Senhor para se tornar Sacerdote do Senhor, segundo a ordem de Melquisedec, no dia 27 de maio de 1899, sendo ordenado por D. Manuel Batista da Cunha, Bispo Auxiliar de Lisboa e Arcebispo de Mitilene.

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12 – Na cidade eterna nem tudo foram rosas… (25-27)

O ano de 1897 foi, para o jovem Manuel Mendes, um ano muito difícil. Os problemas de saúde que não permitiram que ele fosse para Roma iniciar os estudos teológicos, em outubro de 1894, e que o prenderam à cama até 12 de dezembro, voltam a atormentá-lo ao longo de todo o ano de 1897, desde o primeiro dia do ano até aos finais de outubro.
Percorrendo as suas agendas pessoais que, acima de tudo, são o seu diário, pois é nelas que, desde 13 de dezembro de 1896 até à sua morte, Manuel Mendes vai escrevendo algumas notas de experiências vividas cada dia, percebemos que foi, sem dúvida, um ano muito difícil, de uma crise de saúde muito acentuada. No dia 1 de janeiro escreve: “Recebi hoje uma caixa com cápsulas que amanhã começarei a tomar por causa de uma tosse que trago há dias” e, no dia 5, escreve: “hoje fiquei na cama para ver se curava a tosse. Veio o médico novo, Pergallo, e mandou-me para a enfermaria. Cá estou, portanto, na enfermaria, pela primeira vez desde que estou no Seminário Romano. Deus queira que seja por pouco tempo”. Dois dias depois, explica que “toda a minha doença é tosse, mas como ela é muito forte tenho que ter cautela”.
Por aconselhamento do médico, muitos meses do ano de 1897 foram passados no Sanatório marítimo de Nettuno. Porém, não foi tempo perdido, pois o jovem Manuel Mendes foi aproveitando para se preparar para os exames, ainda que, pelas circunstâncias de saúde, não pudesse ter participado nas aulas, como ele próprio escreve na sua agenda, no dia 9 de Julho, onde pode ser lido: “Passei todo o dia a preparar-me para o exame de licença que farei amanhã”. E, no dia 10 escreve: “Fiz o exame de 3.º ano de Teologia hoje, às 6 horas da tarde e, graças a Deus, passei a pieni voti. Foi decerto uma graça que Nossa Senhora me fez, pois eu estava com muito medo”.
Terminados os exames, a 27 de julho, vai para Rocantica, para, numa quinta do Seminário ali existente, fazer alguns tratamentos com os ares do campo. Mas, no dia seguinte, o médico reenvia-o para Nettuno, onde ficará até ao dia 28 de outubro de 1897, data em que regressa totalmente refeito da sua saúde.
Não obstante a circunstância de estar longe dos seus companheiros e dos objetivos que o levaram para Roma, nos apontamentos que vai registando nas suas agendas, tudo e todas as circunstâncias vai aproveitando para viver na alegria de se sentir filho e amado por Deus. Na sua profunda confiança em Nossa Senhora, nesta hora que terá sido difícil para Manuel Mendes, escreve: “Eis-me de novo nesta praia, longe dos meus companheiros e quem sabe por quanto tempo? Nossa Senhora queira que seja pouco e melhore depressa”. E foram ainda mais três meses…
Até na doença e na recuperação da sua saúde tudo era “aproveitado” por ele como dom de Deus, até a passagem de sacerdotes de outras origens, para aprofundar e praticar os seus conhecimentos em língua estrangeira. São de realçar ainda duas facetas do jovem seminarista: a alegria, o tempo.
Mesmo em ocasiões de sofrimento, a gratidão que leva à alegria cristã era uma constante em todas e por todas as circunstâncias, como se pode ler na sua agenda, em duas ocasiões diferentes deste mesmo tempo: no dia 11 de agosto escreve: “dei um passeio de barco com mais 12 ou 13 pessoas. Foi uma excursão verdadeiramente poética e alegre que deixou todos contentes. Havia bons cantores na comitiva e no meio do majestoso silêncio da noite, sobre a superfície ondulada do mar, eram de um mágico efeito os harmoniosos cantos que se entoavam”. E a 1 de outubro escreve: “partiram hoje os missionários do Sagrado Coração (companheiros em Nettuno), com quem tenho estado em tão alegre companhia”.
O sofrimento ensinou Manuel Mendes a valorizar o tempo como dom de Deus e que, como tal, não pode ser desperdiçado, como ele próprio escreve: “Oxalá que o ano que hoje começa seja todo passado no fiel cumprimento dos meus deveres, a fim de que ao fim dele, se Deus permitir que eu lá chegue, eu não sinta o mínimo remorso por haver empregado mal o tempo que Deus me concede.”

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11 – Ainda na cidade eterna… dois marcos importantes

Na Cidade Eterna, Manuel Mendes vive dois marcos muito importantes: o primeiro é a celebração do seu vigésimo aniversário, a 13 de dezembro de 1896 e a receção da sua ordenação subdiaconal, celebrada em Roma, um ano depois, a 18 de dezembro de 1897.
O jovem estudante considera a celebração do seu vigésimo aniversário um marco importante na sua vida, um tempo de análise e de exame de consciência, por um lado, e a ocasião propícia para iniciar um novo tempo na sua vida, um tempo de maior conformidade com a vontade de Deus, como ele próprio escreve nos seus apontamentos: “Completo hoje 20 anos. Passou por mim uma parte importante da vida, quem sabe até, se a maior parte dela? Que emprego tenho eu feito destes anos que Nosso Senhor me tem concedido? Ah! Eu devera tê-los empregado muito melhor do que tenho feito… Deus concedeu-mos para que eu amasse e o servisse, e eu, pelo contrário, tenho abusado do seu dom para ofendê-lo!… Perdão, ó meu Deus, por tal ingratidão! Ao menos que o novo ano de vida que para mim vai começar seja todo dedicado ao vosso santo serviço! Eu não sei o tempo que me resta de vida, mas seja ele qual for, eu quero consagrá-lo a Vós”. Consagração esta que o jovem Manuel Mendes da Conceição Santos concretizou nos seguintes propósitos: “1.º, consagrar o novo ano da minha vida ao Coração Dulcíssimo de Jesus, à minha querida Mãe Maria e ao Sr. São José; 2.º, procurar convencer-me do nada que é o mundo e pensar frequentes vezes na morte; 3.º, obedecer prontamente aos meus superiores e usar caridade com os companheiros; 4.º, evitar o dizer palavras em louvor próprio e atribuir a Deus todo o bem que em mim puder haver, pois que é verdadeiramente seu e não meu; 5.º, procurar crescer na devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa Senhora e a São José; 6.º, esforçar-me por conseguir um verdadeiro espírito de sacrifício”.
Nos apontamentos relativos ao retiro preparatório da ordenação de subdiaconado que aconteceu em Roma, a 18 de dezembro de 1897, consciente da sua vocação e do passo importante que irá dar e que o levará ao sacerdócio, Manuel Mendes faz os seguintes propósitos, fazendo eco daqueles que faz para o ano de 1897, o qual consagra aos Corações de Jesus e Maria: “Eu coloco este ano sob a proteção do Coração dulcíssimo de Jesus e da Santíssimo Virgem, Mãe de Deus e minha Mãe e do Senhor São José, meu especial protetor. Eu o consagro à Sagrada Família e procurarei com o auxílio do meu Jesus pôr em prática os seguintes propósitos, poucos, para poder fazer alguma coisa: 1.º, procurar adquirir um amor terno e filial ao Coração dulcíssimo de Jesus e a sua Mãe Santíssima; 2.º, esforçar-me por adquirir a santa virtude da humildade; 3.º, não perder tempo”.
Há, porém, outros propósitos que foram sendo constantes nestes e noutros retiros mensais e que foram solidificando a vida deste jovem promissor da história da Igreja portuguesa e que poderíamos resumir em dois propósitos: 1.º, procurar ser mais humilde, usando de doçura para com os companheiros e abatimento do seu eu; 2.º, ter devoção terna e prática a Maria que, como se pode ler nas suas “Notas Íntimas” de 1925, passar por “ter por Ela alta estima, admirar as suas virtudes e prerrogativas, falar dela com sincero entusiasmo, inculcar aos outros que recorram a Ela mas, sobretudo, amá-la com amor filial e portanto espontâneo. Eis as caraterísticas que eu quero ver em mim”.

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10 – Ainda na cidade eterna

Roma, para Manuel Mendes, não foi apenas um lugar e um tempo de formação intelectual e de preparação para a missão que lhe havia de ser confiada, tanto na docência, como professor do Seminário de Santarém e da Guarda, como na vida pastoral, primeiro em Santarém, e depois na cidade da Guarda, em Portalegre e, por fim, em Évora. Acima de tudo, este jovem seminarista aproveitou este tempo como um tempo de graça e de crescimento espiritual. Fruto desta sua preocupação espiritual, são os apontamentos e os propósitos que retirava em cada retiro anual ou recoleção mensal e que chegaram até nós. Transcrevê-los é uma ocasião para conhecermos um pouco mais a vida interior deste jovem estudante de teologia e a sua forma de ser e de viver como sacerdote, Bispo de Portalegre e Arcebispo de Évora, e os pilares da sua devoção e, por conseguinte, da sua espiritualidade.
Em Setembro de 1896, com apenas 19 anos, Manuel Mendes faz quatro propósitos para esse mês muito sucintos: “1.º Não me gabar nem procurar ser gabado, especialmente quanto a coisas espirituais; 2.º Fazer alguma mortificação, ao menos interna; 3.º Preparar-me atentamente para a Santa Comunhão e não deixar jamais uma recolhida ação de graças; 4.º Atender bem à meditação; 5.º Não murmurar”.
No mês seguinte vai esforçar-se para adquirir as graças da castidade, da humildade e da alegria. Para tal, faz os seguintes propósitos: “procurar despertar em mim uma profunda contrição dos meus pecados e fazer frequentes atos de contrição perfeita; suplicar instantemente ao Coração Dulcíssimo de Jesus, a Sua Santíssima Mãe, ao meu especial protetor, o Senhor São José, e ao glorioso São Luís Gonzaga, a graça da Santa castidade, que é tão necessária a todos, mas especialmente àqueles que se sentem chamados ao estado sacerdotal. Oh! A castidade! Ela nos torna émulos dos anjos e nos aproxima do trono de Deus! Estar sempre, com o auxílio de Deus, preparado para combater o demónio da impureza, o qual nunca descansa, mas sempre procura atacar-nos. Mortificar, portanto, os sentidos (ainda com respeito a coisas lícitas), a curiosidade, etc…”; “procurar compenetrar-me bem do meu nada e alcançar a santa e indispensável virtude da humildade. Deus resiste aos soberbos e desampara-os, mas enche de graças aos humildes. Para chegar a conseguir esta virtude é necessário orar, orar e depois orar, orar sempre. É um dom de Deus que só se obtém com oração e oração perseverante.” Por fim, “procurar adornar agora, na minha juventude, a minha alma com a doce beleza da graça, com a alegria e paz do Senhor e com uma santa generosidade. Para isso: 1.º, fugir de todo o pecado, ainda que venial. Note-se bem ainda venial, porque o pecado venial deliberado é a maior desgraça que possa acontecer depois do pecado mortal; 2.º, fugir da ociosidade e, por isso, estudar com afinco, não por mesquinhos fins terrenos, mas para uma maior glória de Deus”.

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9 – Na Cidade Eterna

O jovem seminarista Manuel Mendes da Conceição Santos, quatro dias depois de iniciar a sua viagem e do presente de Nossa Senhora, que foram as 28 horas em Lourdes, finalmente chega a Roma, à cidade Eterna, para ali continuar os seus estudos teológicos, iniciados no Seminário de Santarém, contrariamente àquela que era a vontade dos seus superiores, mas que não pôde ser vivida de forma diferente, por causa da fragilidade da sua saúde.
Chegado a Roma, vai até ao Seminário Pontifício Romano, a sua casa durante os três anos seguintes, a fim de frequentar a faculdade de Teologia e terminar os seus estudos teológicos, obtendo o grau de doutor no fim do ano letivo de 1897-1898, em Teologia e em Letras Latinas, pelo Instituto Leão XIII. Com a bagagem e os dois cursos, trouxe ainda para Portugal um apreciável conhecimento em espanhol, italiano, inglês, francês e alemão, além do grego, do árabe e do hebraico. Porém, o mais importante que trouxe na sua bagagem foi o amor incondicional à Santa Igreja e ao Santo Padre e “uma consciência cristalina e pura numa alma a arder em anelos de apóstolo”, como escreve o seu grande biógrafo, Dom Francisco Maria da Silva, na obra “Alma do Arcebispo Apóstolo”.
Apesar da sua extraordinária inteligência e astúcia intelectual, o que mais marcou os condiscípulos de Manuel Mendes da Conceição Santos foi a sua extrema bondade e a profunda simplicidade e modéstia, alicerçada na sua vida e numa sólida cultura. Dom João Evangelista Sousa Vidal apresenta-nos Manuel Mendes da seguinte forma: “Pouco mais ele era então do que uma viva e graciosa criança, com aquela estrela branca que lhe ria e brilhava na testa, com as duas luzes acesas dos olhos, com os ss a sibilar nos lábios, com o seu todo de Menino Jesus no meio dos doutores da Lei a fazer-lhe perguntas e a comentar as respostas.
Ele não era como qualquer um de nós. Não lhe pareciam interessar grande coisa as infinitas flores do jardim, a sucessão dos famosos italianos consagrados no bronze e no mármore ao longo das avenidas do parque, nem os dois irmãos Caioli no seu pedestal de heroica bravura, nem a Mãe de Moisés com o berço do seu menino à beira do Nilo, nem mesmo o esplêndido panorama de Roma a estender-se dali com as suas trezentas maravilhosas cúpulas, com as suas incomparáveis ruínas, com a luz, própria e única da sua história!
O que quase por completo parecia encher aquele pequenino predestinado crânio era a compreensão e a dor dos males religiosos da Pátria e, diante desse lastimoso quadro, a organização do futuro. Esse jovem Manuel tomava já os caminhos de cursor do ressurgimento religioso, social, cultural, académico, que, mais tarde, sob a sua poderosa e indefetível mão de chefe, havia de tomar entre nós formas tão belas, tão cheias de esperança e de encanto”.
Compreendemos, pois, que Manuel Mendes bem aproveitou o tempo para a sua formação intelectual com o intuito de, como veremos em grandes e difíceis momentos da história de Portugal, da Igreja e do servo de Deus, mais e melhor servir e defender a fé católica e os valores cristãos, formando leigos conscientes, crentes e militantes.
A 4 de Maio de 1898, Manuel Mendes termina o doutoramento em Teologia e regressa imediatamente a Portugal, sem ter recebido as ordenações de Diácono e de Presbítero. Vem ainda formado em Línguas clássicas e com bastantes conhecimentos em outras várias línguas.

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8 – Encontro com a Mãe

O dia 23 de outubro de 1895 fica marcado para sempre na vida do jovem seminarista Manuel Mendes da Conceição Santos. Indo ele a caminho de Roma para continuar os seus estudos, com os seus medos, as suas inseguranças, a responsabilidade de representar um país e os seus futuros sacerdotes no centro da Cristandade, passados os Pirenéus e entrando em França, ele encontrou a Mãe, Nossa Senhora de Lourdes. Aquele encontro foi tão importante que para sempre marcou a sua vida.
Mais uma vez, vamos ao seu caderninho de apontamentos ou diário de bordo e transcrever o que se refere às curtas 28 horas em que Manuel Mendes se encontra com a Mãe e com o seu solar, em Lourdes.
«Erguiam-se, diante de nós, majestosamente, os Pirenéus coroados de nuvens, e ao nosso lado estendiam-se vastas campinas onde se notavam os benéficos efeitos da drenagem. Havíamos passado a estação de Mouthant-Betharram quando, pouco depois, os Pirenéus nos apresentaram um espetáculo inteiramente novo e cheio de atrativos. Um grande crucifixo coroava a montanha e mais abaixo erguia-se majestosa a Igreja de N.ª S.ª de Lourdes – espetáculo fascinador, sensação extraordinária. Os nossos corações apressam as pulsações e anelam pela ocasião solene de orarmos à Virgem nestes lugares que ela santificou com a sua presença.
Chegados à estação, dirigimo-nos à Igreja de N.ª S.ª de Lourdes. Ao entrarmos na igreja, que sublime espetáculo fomos encontrar! Que majestade!, que elevação de pensamento! – Centenas de bandeiras pendem da parte superior do edifício e as paredes estão literalmente cobertas de lápides comemorativas de graças e, em toda a extensão das naves, pendem inúmeros ex-votos, corações dourados e pequeninos quadros, tudo comemorando graças da Imaculada.
A igreja é majestosa, consta de três naves e tem numerosos altares e muitas estátuas. Predominam as da Virgem e do SS. Coração. Tem uma só torre sobre a porta principal, segundo o estilo francês. Lá ao fundo, sob um gracioso baldaquino simulando uma basílica, eleva-se uma estátua de Nossa Senhora de Lourdes em cuja honra são todas as magnificências que aqui se admiram. Orei por algum tempo neste templo bendito e depois desci à cripta onde tive a invejável felicidade de confessar-me e comungar. Aqui se dizem continuamente muitas missas e, em todas elas, há numerosas comunhões de homens e senhoras de todas as condições. Aqui as formas são pesadas e severas, convidando ao recolhimento, ao passo que as formas graciosas e arrojadas da igreja arrebatam a imaginação fazendo-a adejar pelos coros celestiais. Na cripta há um recolhimento difícil de imaginar; ali todos os lábios murmuram preces ferventes, todos os corações pulsam de amor, todos estão repassados de uma devoção que só santuários como este podem contemplar. Daqui passei à gruta: não sei nem posso explicar a comoção que se sente quando, depois de descer a ladeira que vai expirar nas margens do Gave se vê a gruta fragosa, a Imagem da Virgem alva de neve numa cavidade alpestre, dezenas de lumes ardendo continuamente, centenas, para não dizer milhares de muletas, talos e outros instrumentos próprios de doentes e, dentro da gruta e nas lajes da avenida, ajoelhada, uma multidão de crentes, uns derramando lágrimas, outros murmurando preces, outros beijando a gruta bendita.
Aqui um cristão necessariamente ajoelha, ora, suplica, agradece e sente-se preso a este lugar perfumado pelos suaves odores da presença de Maria. Aqui um ímpio arrepende-se, um ateu crê, um fatalista ora. Se há no mundo lugares que possam comparar-se com o Céu, é Lourdes um deles, ou antes, Lourdes é um vestíbulo, uma miniatura do Céu. Há ainda a Basílica do Rosário, soberba construção, onde a par da grandeza se admira a beleza das proporções e que deve ser esplêndida, quando concluídos os magníficos mosaicos das capelas. Já está concluído o do Nascimento do Menino Jesus, o qual engana a vista parecendo pintura finíssima. Visitei o Convento dos Missionários do Imaculado Coração a cujo superior fiquei sobremaneira obrigado.
Foi com a saudade no coração que me afastei destes Santos Lugares para seguir a viagem no dia 24, às 10 horas da manhã, depois de ter estado em Lourdes 28 horas que me pareceram poucos minutos. Lourdes é, por excelência, a Cidade da Virgem. Aqui chegou no dia 24, às 7 horas da manhã, uma peregrinação da Ordem Terceira de Pau, a qual, quando entrou, elevou à Virgem cânticos tão ferventes e tão harmoniosos que me pareciam hinos angelicais, entoados ao som das harpas dos Querubins. A igreja parecia-me um céu.
Disse adeus a Lourdes e, a par da saudade, levava na alma a esperança de que a Virgem me auxiliaria e escutaria meus rogos. Quem estiver desanimado, em Lourdes encontra necessariamente alento e esperança».
É longa a transcrição, mas não é certamente inútil. Por ela se compreende a profundidade da sua devoção a Nossa Senhora e o lugar que Lourdes ocupou no seu coração e na sua vida: foi lá que, não poucas vezes, foi como peregrino da Mãe de Deus, pedindo por si e pelos seus diocesanos; decisivas resoluções foram tomadas por ele naquele lugar, onde rezava horas seguidas em favor do governo e da Sua esposa, a Igreja de Évora, e a salvação das almas dos seus Diocesanos.
A confiança e o espírito filial para com Nossa Senhora não se ficou pelas suas peregrinações a Lourdes, mas com a vinda de Lourdes com o prelado eborense para o Paço Arquiepiscopal… quando se entrava, em seu tempo, na simplicíssima Capela do Paço, havia de se reparar que o vão de uma porta tinha sido aproveitado, por ele, para ali colocar uma minúscula reprodução da Gruta de Massabiele com uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes. E, mesmo ao lado, fizera colocar o seu genuflexório, como que Nossa Senhora lhe segredasse ao ombro o caminho por onde deveria conduzir a Igreja Diocesana que lhe tinha sido confiada. No quintal havia também uma Imagem da Virgem de Lourdes onde, não poucas vezes, foi visto a falar com Nossa Senhora e a desabafar as mágoas contidas do seu coração de Prelado.

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7 – Rumo à Cidade Eterna

Em virtude das suas excecionais qualidades morais e intelectuais, o Patriarca de Lisboa, o Cardeal Dom José Sebastião Neto, escolhe Manuel Mendes para ir completar, em Roma, a sua formação académica e ocupar um dos três lugares criados no Seminário Pontifício Romano (também denominado por Seminário do Papa), com a bolsa de estudos oferecida pelo Papa Leão XIII para os alunos provenientes do Patriarcado de Lisboa.
Quem conheceu de perto a sensibilidade da sua alma, o seu amor à família, a sua dedicação aos professores e aos colegas, o seu ardor patriótico e se apercebeu também da sua grande fé e amor à Santa Igreja, compreenderá que seria ele, um dos escolhidos para se formar em Roma…
Tudo estava preparado para que Manuel Mendes partisse em outubro de 1894, para iniciar os seus estudos em Roma, não fosse o problema de saúde que dele se apoderou. É ele próprio que escreve sobre isso no seu caderninho das contas: “Em outubro de 1894 vim para o Seminário no dia 1 para estudar alguma coisa de italiano e no dia 3 partir para Roma. No dia 3 adoeci e, ainda no Seminário, tomei 20 cápsulas de sulfato de quinino, meio litro e mais 700 gramas de limonada sulfúrica e um litro de limonada saturada de citrato de magnésio. No dia 27 do mesmo mês, parti para a minha casa onde se me agravou o estado de saúde e lá estive em tratamento até ao dia 11 de dezembro, em que voltei para o Seminário. No dia 12, apresentei-me aos professores que, de muito má vontade, me admitiram na aula, principalmente o Sr. Dr. Jerónimo”.
Porém, nada disto obsta a que, nesse mesmo ano, apesar das vicissitudes de saúde e da pouca vontade dos professores, tenha frequentado, com aproveitamento, o primeiro ano de teologia no Seminário Patriarcal, tendo partido para Roma, no ano seguinte, no dia 20 de outubro de 1895, a fim de frequentar a Universidade de Santo Apolinário, onde havia de doutorar-se em Teologia, em maio de 1898 e o Instituto fundado por Leão XIII, onde se diplomou em Letras Latinas, especializando-se em Grego, Hebraico e Árabe e aprofundado os seus estudos das “línguas vivas”, como italiano, castelhano, francês, inglês e alemão, sem nunca descurar a sua vida espiritual. Pelo contrário, a ela se entregava com todo o empenho, alicerçado em quatro grandes pilares: na coragem aprendida do Sagrado Coração de Jesus, na confiança em Nossa Senhora, e na devoção a São José e identificação com São Luís de Gonzaga, seu angélico protetor, pedindo-lhe que o fizesse um sacerdote santo.
A sua viagem para Roma inicia-se a 20 de outubro de 1895 e, com ele, vai o seu amor fiel ao Seminário de Santarém. Amor fiel que durou até ao fim da sua vida; “se eram para ele saudosas as paredes daquele glorioso Seminário, igualmente o eram companheiros e superiores; mais tarde, nunca passará por Santarém sem entrar nesse santuário para conviver por instantes com os mestres, os seus antigos condiscípulos. Nas suas festas mais importantes estará presente: no alargamento das instalações «reconquistadas», nas homenagens ao Venerando Reitor, etc…. Não só pela posição que ocupava na Igreja, mas ainda pelos laços do coração que o prendiam ao velho Seminário, ele era a mais alta glória do Seminário de Santarém”, como havia de escrever o Cardeal Cerejeira.
A bonita viagem que o jovem seminarista está a fazer até à Cidade de Roma vai sendo descrita no seu pequenino caderno de apontamentos: descreve as terras portuguesas e espanholas por onde vai passando na sua viagem de comboio, nota se as pessoas e os empregados são atenciosos e delicados, regista que aquela senhora vai a rezar o terço e fixa a hora exata da sua entrada em França e a impressão que os Pirenéus lhe causam, com surpreendente beleza das suas paisagens, até se deter, no dia 23 de outubro de 1895, em Lourdes, momento marcante da sua vida.

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6 – O Despertar Vocacional de Manuel Mendes da Conceição Santos

Quando a idade o permitiu, Manuel Mendes da Conceição Santos começou a aprender as letras, na sua terra natal e, aos 9 anos de idade, vai para casa do seu tio-avô, o Padre Joaquim Duque, humanista de grande saber, residente em Carvalhal da Aroeira, concelho de Torres Novas, onde se preparou para o exame da instrução primária. Mas a sua mente e o seu coração estavam muito mais à frente, estavam no mundo dos grandes clássicos latinos e no estudo sério e fecundo das línguas latina e portuguesa, desvalorizando aquilo que era essencial para o exame da instrução primária. Resultado: chumbou no exame. Porém, no ano seguinte, superou com distinção os exames de Instrução Elementar e Complementar.
Aos 14 anos, sentindo o chamamento ao sacerdócio, o jovem Manuel Mendes inicia a sua caminhada vocacional desejando, por isso, entrar no Seminário de Santarém, o que se ia tornar difícil, pelo facto de a sua família não ter posses económicas para pagar a sua formação naquele estabelecimento de ensino. O seu pai escreve ao Patriarca de Lisboa, pedindo que o seu filho entre no Seminário na categoria de aluno gratuito, carta esta escrita à mão por Manuel Mendes (pai) com data de 02 de agosto de 1890, na qual consta que “Manuel Mendes, casado com Maria da Conceição Mendes, atualmente residentes em Torres Novas, que tem um filho, por nome Manuel Mendes da Conceição Santos, que muito deseja seguir a vida eclesiástica e como não posso acorrer à sua educação, pela falta de meios como mostra pelos documentos, que junta, pede a Vossa Eminência se digne admiti-lo gratuito no seu piqueno Seminário”. A este pedido de seu pai, juntou-se uma carta de recomendação escrita e assinada por Padre José Marques Ventura, coadjutor de Torres Novas, a 31 de junho de 1890 na qual atesta que “Manuel Mendes da Conceição Santos tem sido e é de bons costumes e aptidão para a vida eclesiástica”. Do mesmo teor segue uma carta de Padre João Luciano Saraiva, endereçada ao Patriarca de Lisboa.
Tal pedido é aceite por D. José Sebastião Neto, sendo admitido no Seminário Patriarcal de Santarém a 11 de agosto de 1890.
Fruto dos seus estudos anteriores, “entrando para o Seminário com uma apreciável reserva de conhecimentos adquiridos no ensino doméstico, no fim do primeiro ano, em que fez quase todos os exames dos três primeiros anos do curso de preparatórios, foi classificado com notas muito honrosas e nos outros quatro anos com “Distinção”, “Accessit” ou “Prémio”. Nos exames de Francês e Filosofia foi aprovado com louvor e nos outros de preparatórios sempre com distinção, como nos descrevem os “Anais Torrejanos”.
Logo no começo foi considerado, por colegas e professores, como uma criança de invulgar talento e de uma inteligência precoce. Mas, crescendo em idade e sabedoria, Manuel Mendes cresce também em graça, sendo, por todos, considerado um jovem de virtuosa moralidade, destacando-se sempre pela candura do seu olhar e pela modéstia do seu viver, pela sua piedade despretensiosa e comunicativa, pela sua lhaneza e conversas sempre úteis e edificantes, pela ausência completa de orgulho, como testemunha Mons. Francisco Maria Félix, num depoimento a seu respeito.
As duas palavras que caraterizam o jovem seminarista, nesta fase da sua vida, são “talento” e “bondade”. “Poesia sem lira, nua como o coração, simples como a primeira palavra, sonhador como a noite, luminoso como o dia, rápido como o relâmpago, imenso como a extensão, Manuel Mendes era, sem dúvida, dos que atraíam sobre si, sem disso se aperceber, a atenção, o respeito e a simpatia dos companheiros”, aproveitando, cada momento, para mais se identificar com Cristo, que crescia em sabedoria, em estatura e em graça.

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5 – Manuel Mendes e o seu irmão Joaquim

Do casamento de Manuel Mendes com Maria da Conceição nasceram sete filhos. Desses apenas sobreviveram dois rapazes: o Manuel Mendes e o Joaquim, que nasceu a 17 de fevereiro de 1878, cerca de dois anos depois do seu irmão Manuel. Manuel Mendes foi padre e o seu irmão Joaquim, à morte da sua mãe, era o escrivão de direito em Torres Novas. Do seu casamento com Maria Helena Mendes nasceram oito filhos. Tudo estaria preparado para uma vida longa e feliz, com uma grande família, um futuro profissional promissor, ainda que, na carta que o jovem sacerdote M. Mendes escreve a São Luiz Gonzaga, a 21 de junho de 1928, refira: “convertei o meu pobre irmão e fazei que ele seja bem sucedido, se assim for para glória de Deus e bem da sua alma. Fazei que ele deixe aquela cegueira que sabeis”. Mas, a 15 de agosto de 1922, com apenas 44 anos, veio a falecer, perdendo, desta forma, o padre Manuel Mendes o que lhe restava da sua mais “próxima” família, seu amigo e confidente, pois um com o outro partilhavam a vida, as alegrias, as preocupações, etc…
Com a morte de Joaquim Mendes, duas preocupações recaem sobre o seu irmão Manuel: a preocupação da família que deixou na terra e a preocupação pela alma de seu irmão.
No que se refere à preocupação da família, compreende-se que, tendo morrido Joaquim, Manuel, seu irmão, haveria de assumir a responsabilidade material e moral sobre a sua cunhada e os seus sobrinhos, revelando, desta forma, a sua sensibilidade humana e a forte personalidade sobrenatural. De facto, morto o irmão, recai sobre ele a missão de ser o amparo dos seus e fiador da sua fé. Cumpre sacrificadamente até ao fim, não só responsabilidades espirituais ou morais, mas também materiais, que não foram poucas. Basta pensarmos um pouco na personalidade de Manuel Mendes…
Mas a maior preocupação do Pe. Manuel Mendes era a salvação do seu irmão Joaquim. Por ele orava, fazia orar, pedia que orassem, oferecia missas pelo eterno descanso do seu irmão. Ao passarmos os olhos pelas agendas do Servo de Deus notamos que, no dia do aniversário da morte, a missa era oferecida pelo seu irmão Joaquim. Porém, há um aspeto curioso: até 1930, sempre escreve: “fazia hoje X meses (anos) que Nosso Senhor o chamou. Pobre irmão. Lembro-o tanto! Fiat!”. E em 1930, já está escrito: “Missa em ação de graças por dons concedidos a meu irmão que hoje [17 de Fevereiro] faria 52 anos e cuja salvação e entrada no céu me foi assegurada pela Madre Inês de Jesus, irmã de Santa Teresinha”. Tendo terminado as exclamações de aflição quanto à salvação do seu irmão, recebeu, assim acreditamos, a certeza espiritual da sua salvação.
Há, neste “capítulo” da vida de Manuel Mendes, um aspeto muito curioso, que importa realçar, o amor corresponsável pela sua família, não só em questões morais mas também materiais, pois muitos foram os sacrifícios monetários feitos por ele para que nada faltasse aos seus sobrinhos e à sua cunhada, muitas mortificações fez pelos do seu sangue, para que nada lhes faltasse ao corpo e à alma.

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4 – Manuel Mendes e seu pai

Do jovem Manuel Mendes da Conceição Santos pouco se sabe. Sabemos, sim, que o Sr. Manuel Mendes morreu cedo, com muito pouca idade, no dia 24 de março de 1906. Mas dele, como se refere Francisco Maria da Silva, “herdou o exemplo nobre de quem tudo sacrifica à palavra honrada. Empreiteiro de obras, viu um dia o seu nome comprometido. Foram-se os bens, mas a consciência nada perdeu da sua limpidez e serenidade”, o que revela, com tanta lucidez, a “têmpera austera e cristã”, que nunca fugiu às suas responsabilidades humanas, cristãs e familiares. De seu pai, dizia Manuel Mendes: “como em toda a sua vida, meu pai se dedicou à lavoura, entende ele que afora com as forças quebradas como tem e, apesar do regime que tem a seguir, deve ainda continuar na mesma faina. E note V. Ex.cia que meu pai não é de muitas medidas. Para tratar de fazendas esquece tudo, o estado melindroso da sua saúde, as horas de refeições, as precauções que deve tomar. Assim não é nada para admirar vê-lo às vezes encharcado em água e, como tem pouca agilidade, cai e chega à noite estafado e tão abatido que chega a inspirar cuidado. Se lhe digo que se deixe da lavoura e trate de si, que se contente com uns passeios pequenos pela vila (Torres Novas), responde que não pode ser, que ainda tem forças e que isto lhe dá vida”, a ponto de implorar de São Luiz de Gonzaga, a 21 de junho de 1899: “mudai o génio de meu pai”.
Este amor ao trabalho, esta tremenda força de vontade que fazia o pai esquecer tudo o resto que estava à sua volta, herdou-o o filho Manuel Mendes na totalidade. Quando estava em jogo a salvação das almas, o bem do próximo ou o bem da Igreja, o jovem Padre e depois Bispo Manuel Mendes da Conceição Santos nunca teve horas para descansar, para os lazeres ou mesmo para os tratamentos da sua saúde. Como diziam os seus colaboradores mais próximos entre si: “obedecerá ao médico, mas há-de morrer a trabalhar”. E, quando esses mesmos lhe tentavam pregar usando o mesmo tom que ele usava para seu pai, a necessidade do descanso, a sua resposta era sempre a mesma, tal como lemos nas biografias dos grandes santos: “Teremos tempo, tenho uma eternidade inteira para descansar e depois de mim virá outro arcebispo!”.
Terá sido – querendo nós imaginar – esta mesma firmeza de caráter, força interior e capacidade de sacrifício, que o jovem Manuel Mendes da Conceição Santos viu na vida de seu pai e que sentiu na mão que o conduziu até à escadaria solene do Seminário Patriarcal de Santarém, a 2 de agosto de 1890, data da sua entrada no Seminário. E a retribuição sentiu-a quando viu o seu filho neossacerdote a “subir os degraus do Altar para imolar o Cordeiro Imaculado. Dessa honra tivera consciência e, em sua humildade, a agradecia ao Omnipotente. Porém, se teve a graça de ver seu filho Padre, o mesmo não se pode dizer de ver o seu filho Bispo, pois o Sr. Manuel, seu pai, veio a morrer a 24 de março de 1906 e a ordenação episcopal só acontecerá dez anos depois, a 3 de maio de 1916. Quanta tristeza, quanta dor, quantas saudades… “Faz hoje 21 anos que ele faleceu. Que repouse em Deus, já que em vida tantos baldões sofreu… Como o tempo foge”. Tudo isto leva o Servo de Deus a escrever na sua agenda de 1924: “Que saudade recorda este aniversário! Que solidão em volta de mim, progressivamente agravada, desde esta separação! Bendito seja Deus por tudo! No céu nos juntaremos!”

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3 –  Manuel Mendes e sua Mãe

A mãe de D. Manuel Mendes da Conceição Santos, de nome Maria da Conceição Rodrigues Mendes, nasceu a 8 de dezembro de 1845, vindo a falecer a 28 de janeiro de 1918. Do casamento com Manuel Mendes, nasceram sete filhos, mas apenas dois sobreviveram: o Manuel e o Joaquim, levando-a a viver uma vida de profunda angústia, temendo pelo futuro dos seus filhos, unido ao sofrimento por ver a derrocada material da sua família, tendo de deixar a sua terra e a sua casa para procurar outro local para recomeçar a vida.
O segredo da sua vida estava na oração. Quem o contou foi, mais tarde, ela mesma a seu filho, já Bispo de Portalegre, em carta datada de 9 de setembro de 1916: “Dizes-me que no meio da tua tão espinhosa missão e de tanta responsabilidade, que vês mais claramente a proteção da nossa boa Mãe do Céu sobre ti: é verdade. Na Capela de Pé de Cão, diante da sua imagem e banhada em lágrimas, muitas vezes pedi que tomasse os meus filhos à sua conta e cuidasse deles como coisa sua; e, na verdade, é-nos bem visível a sua proteção. Oxalá lhe sejamos gratos”.
Se num primeiro momento a vida de Maria da Conceição se resumia em três palavras – Deus, marido e filhos –, num segundo momento apenas se resumia na palavra solidão, pois “tendo dado a Deus o que Deus lhe dera para acompanhá-la na última jornada da vida, satisfazia as amarguras das longas ausências e das rudes solidões da casa com a vivida esperança de que para mais altos e elevados destinos, para mais útil e vigoroso futuro o criara!… Os homens não compreendem este amor, mas Deus compreende-o! É que a mãe do Bispo sabe que não existe o hoje nem o amanhã, mas o sempre!”
Dom José do Patrocínio Dias, na carta que escreve a D. Manuel Mendes da Conceição Santos, por ocasião do primeiro mês da morte de Maria da Conceição, descreve-a como “uma das almas a quem melhor tenho visto representar no seu exterior a bondade de Nosso Senhor” e que esta bondade mostrou e ensinou ao seu amado filho.
Se os sentimentos desta mãe por seu filho são incontáveis, também o amor de Manuel Mendes é impossível descrever em tão pouco espaço e usando a linguagem humana… Escutamos o coração do servo de Deus falando de sua mãe, aquando do terrível sofrimento provocado pela sua partida: “São impenetráveis os juízos de Deus, mas uma voz íntima e suave me está segredando que o Senhor a levou sem tardança para junto de Si, pois para isso a esteve purificando no crisol da longa doença, durante a qual nunca ela murmurou da Providência, mas antes frequentes vezes fazia atos positivos de conformidade com a vontade divina. […] Estás junto daquele Deus que sempre amaste, não é assim? E lá não te lembras de mim e do Joaquim que chorava tão inconsolável junto do leito?” Ou no mesmo dia: “Verdadeira filha de São Francisco, não só pela profissão de Terceira, mas ainda pela humildade, pela austeridade e pela vida de mortificação […] O rosário que lhe pende do cordão e a medalha de Filha de Maria que lhe brilha sobre o peito inerte, estão ali a atestar como ela amou a Mãe Celeste. Foi, depois de Jesus, o seu amor e a sua grande esperança. Bastas vezes ela dizia que, ao ver-se sem meios para nos educar, nos entregava, a mim e a meu irmão, à Virgem Santíssima. A nossa mãe celeste ouviu a súplica e aceitou o encargo que lhe confiava a mãe da terra e tem velado por nós com um carinho excecional. É o caso de repetir, aplicando-a à minha querida finada: a descendência dos justos será abençoada… ou ainda: embora doente e confinada há muito num leito, a sua presença enchia a casa, o sabermos que ela estava ali dava-nos alento; e agora? […] E, contudo, uma ideia divinamente consoladora vem juntar-se a estas desoladoras considerações: parece que o ambiente está perfumado das suas virtudes, a recordação dos seus exemplos é um bálsamo reconfortante e uma esperança suavíssima nos dias que ela está junto de Deus. É a mão bondosa e paternal de Deus a suavizar a minha dor”.


2 – A infância de Manuel Mendes da Conceição Santos

Manuel Mendes da Conceição Santos nasceu a 13 de dezembro de 1876, numa localidade da freguesia de Olaia, denominada Pé de Cão, Concelho de Torres Novas, às 6 horas da tarde. Seu pai era Manuel Mendes, casado em primeiras núpcias com Maria dos Reis, da qual teve uma filha de nome Maria, falecida em tenra idade; dele se afirmava ter sido um homem de abastada fortuna, empreiteiro de obras, e que tudo perdeu por ter sido fiador de alguém pouco sério ao pagar o que devia, ficando reduzido a uma quase pobreza. E sua mãe era Maria da Conceição Rodrigues Mendes, casada em segundas núpcias com Manuel Mendes.
Neto paterno de Joaquim Mendes e de Justina Rosa Mendes e materno de Manuel Rodrigues dos Santos e Sebastiana Maria, foi batizado na Igreja Matriz de Olaia no dia 28 de Dezembro de 1876, tendo recebido, como Madrinha de batismo, Nossa Senhora do Ó.
Crescido num ambiente de profunda religiosidade, fomentado pela sua mãe, cujo segredo da sua vida era a fé e a oração, Manuel Mendes sempre impressionou os seus companheiros de escola e de vida, pelo seu “odor de inocência”, tantas vezes por ele pedida ao Senhor, como se pode ler ainda nos apontamentos do retiro que fizera aos 76 anos: “Senhor, fazei-me puro como um anjo”, graça esta que o Senhor lhe ia concedendo. De tal modo que, para os seus pares, sempre foi considerado um anjo e, por isso, teve lugar na pintura da Capela do Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz do Cartaxo.
Tendo havido a necessidade de vender a casa de Pé de Cão, Manuel Mendes deslocou-se com os pais e irmãos para os Soudos. E, aos nove anos, depois de aprendidas as primeiras letras, parte para Carvalhal da Aroeira, a fim de estudar Português e Latim com o seu tio-avô, o Padre Joaquim Gomes Duque, um humanista de grande saber. Dali foi para Torres Novas, onde frequentou uma escola particular a fim de se habilitar para o exame de instrução primária elementar, em que ficou reprovado, quando, ao tempo já lia correntemente os clássicos latinos.
E, no ano seguinte, faz os exames do elementar e do complementar, passando em ambos com distinção.
Porém, há um outro acontecimento que marca a sua vida e cujas agendas pessoais não poucas vezes fazem referência. Tinha Manuel Mendes 11 anos quando, a 3 de junho de 1888, fez a sua Primeira Comunhão, graça que tantas vezes agradece e pela qual oferece a Eucaristia que celebra. Por exemplo, em 1916 escreve: “Missa em honra de Nossa Senhora para que me faça fiel à graça da primeira comunhão”; em 1924, oferece a Eucaristia “em ação de graças pela minha 1.ª Comunhão e pelos que nela me acompanharam e para ela me prepararam”. E ainda em 1938 faz referência que oferece a eucaristia em “ação de graças pela primeira comunhão feita há cinquenta anos e por todos os benefícios que dela derivam”.
Podemos afirmar que estas foram as bases intelectuais e espirituais que fizeram dele um dos Bispos mais ilustres, sócio da Academia de Ciências e de quem Júlio Dantas escreveu: “Doutor pela Universidade romana de Santo Apolinário, latinista, helenista, espírito cultíssimo, escritor notável, o Senhor Dom Manuel Mendes impôs-se, sobretudo, à admiração dos contemporâneos como orador, pelo prestígio, pelo trabalho e pela autoridade da sua palavra.


1 – Que dizem de ti, Manuel Mendes da Conceição Santos?

Antes de sabermos quem é Manuel Mendes da Conceição Santos – e em jeito de introdução a esta nova rubrica do nosso jornal “A Defesa” – é importante sabermos o que dizem deste grande homem de Deus ao serviço dos seus irmãos, a partir das três palavras com que, em 1926, numa sessão solene realizada em Torres Novas, Alberto Dinis da Fonseca e Zuzarte de Mendonça resumiram a sua vida: fé, amor, otimismo.
O seu testemunho de verdadeiro discípulo missionário levou e continua a levar homens e mulheres a dizerem que: “Homens deste vulto, dum tal vulto, estimam-se, admiram-se, veneram-se, amam-se, imitam-se, seguem-se”.
“Português às direitas, seguro na fé, de rija têmpera, sacerdote modelar, Bispo comme il faut pelos seus talentos literários, pelas suas poderosas faculdades de trabalho, pelos títulos científicos que tem conquistado. É um dos mais esforçados obreiros dum Portugal maior, não conhecendo dificuldades nem temendo obstáculos para fortalecer a organização católica, que pode prestar, e há-de prestar, ao País, os mais assinalados serviços.
A sua vida, sempre esmaltada pela mais pura gema de trabalho é um exemplo, um alto e luminoso exemplo de honra, de aprumo e de bondade. E a sua bondade sente-se, não se define. Manifesta-se em tudo e por tudo: pela doçura, pela generosidade, pelo esquecimento de si próprio e por aquela disposição que o leva a não fazer mal a ninguém, nem mesmo àqueles que injustamente o ferem; é a bondade, a par de um diamantino carácter e de um cérebro privilegiado que dá, ao Senhor Arcebispo de Évora, no meio desta sociedade decadente, uma formidável força moral, que faz dele um varão forte e tenaz, sempre intrépido e calmo.
O seu nome, os seus sermões, os seus trabalhos em favor da Igreja são conhecidos de todo o país e no meio do enorme prestígio que o rodeia, conserva no coração tesouros de ternura, que só podem ser avaliados pelos que o conhecem intimamente. A forma do seu apostolado escandaliza talvez os homens de hoje; mas esse apostolado entusiasma quem ama a verdade. A sua inconfundível eloquência ergue-o muito acima da comum vulgaridade. No olhar adivinha-se-lhe a perspicácia e firmeza de pensamento.
Na fronte nobre e altiva, no olhar suave e penetrante, vê-se uma alma que olha a fito contra as flechas da injúria. A sua lealdade e a sua retidão desarmam os que porventura procurem embaí-lo com as travessuras da intriga e com as objeções de vil esperteza. Há, no seu semblante, a tranquilidade risonha de quem não sente na consciência nada que lhe anuvie”.
A sua grande divisa era “Coragem e Confiança”. Nada abalava a sua alma, nada fazia recuar aquela coragem que nascia da sua entrega, da sua total entrega ao Senhor, a Quem pedira como condição, “fosse a sua força e o seu amparo”; e o seu lema encontrou na jaculatória “Minha Mãe, Confiança Minha” a sua força e a sua âncora.
A partir deste preâmbulo, testemunho extraordinário de homens do tempo do Servo de Deus, será mais curioso conhecer a vida e a espiritualidade deste discípulo missionário em terras da planície alentejana: Manuel Mendes da Conceição Santos.

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