Neste dia 8 de dezembro, às 11h, no Santuário de Nossa Senhora da Conceição em Vila Viçosa, o Arcebispo de Évora, D. Francisco José Senra Coelho, preside à Eucaristia da Solenidade, na qual assinalará também o encerramento do Ano de S. José.
SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO
HOMILIA DA CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA
Em pleno tempo de Advento, celebramos a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Advento é convite incessante para a preparação para o encontro com o Senhor, fazendo de cada celebração litúrgica um encontro com o Senhor; de cada encontro humano, uma oportunidade de crescimento e amadurecimento na humanização; de cada cruz da vida, uma esperança pascal, até que o Senhor venha definitivamente às nossas vidas e, finalmente, ao encontro de toda a Humanidade.
O Advento centra-nos na Esperança e na Vigilância, convidando-nos a caminhar até Cristo. Este caminho faz-se pelo progresso da vida espiritual, numa crescente identificação com o Reino de Deus, proclamado por Cristo. Este caminho exige-nos conversão, para que seja possível a nossa identificação com os valores e critérios desse Reino de Deus. Vigiar sempre, sem nunca deixar de esperar, é a concretização deste espírito de conversão, da metanoia própria da nossa cristificação.
As leituras bíblicas que acabámos de acolher, convidam-nos a contemplarmos Maria, a Mãe de Jesus, a sua primeira e mais excelsa discípula.
Na primeira leitura, retirada do Livro do Génesis, o Autor Sagrado explica, mediante uma narrativa alegórica, repleta de metáforas, e etiológica, a transgressão original, da qual sobressai a repetida tentação da Humanidade prescindir de Deus e de querer ser como Deus. O Evangelho apresenta a Virgem Maria como resposta a esta desordem original e originante. À criação de Eva, por parte de Deus, responde o mesmo Senhor com a nova criação que, em Maria, começa, com a Sua entrega incondicional à vontade de Deus: «Faça-se em mim, segundo a Vossa Palavra». É que Maria sabe que Deus é o Senhor da História e, por isso, é o Senhor da Sua vida.
Um comentador bíblico contemporâneo afirma que, «em Maria, Deus contempla aquilo que gostaria de ver em cada um de nós»; é neste contexto que o Apóstolo Paulo, no passado Domingo, dizia aos Filipenses: «Tenho plena confiança de que Aquele que começou em vós tão boa obra, há-de levá-la a bom termo, até ao dia de Cristo Jesus».
Deus não impõe, mas propõe, como fez com a Virgem de Nazaré. Se n’Ela, Deus quis precisar do seu SIM para que o Verbo de Deus, se formasse e se fizesse homem, Jesus Cristo nascendo como Redentor de todo o Homem e do Homem todo, hoje, a caminho do Natal, a Palavra do Senhor convida-nos a deixarmos que essa mesma Palavra gere Jesus nos nossos corações e nas nossas vidas para que, como discípulos missionários, O possamos anunciar, testemunhar e transmitir, para salvação de muitos e de muitas. Eis o apelo: deixar que Cristo se forme em nós para que sejamos discípulos missionários, com testemunhos de vida contagiantes, sempre na Alegria do Evangelho. «Grande maravilha fez por nós o Senhor, por isso, exultamos de alegria!».
Na segunda leitura, o Apóstolo Paulo proclama aos Efésios a sua vocação à Santidade, enquanto Filhos de Deus, herdeiros da Eternidade e Pedras Vivas da Igreja de Cristo. A nossa vocação batismal insere-nos na Igreja e faz de cada um de nós membros vivos do Povo de Deus. A eclesialidade é uma referência incontornável para os discípulos missionários: «Que ninguém chame Pai a Deus, se não chamar Mãe à Igreja!»
Quem quiser encontrar um modelo para a sua vivência eclesial tem em Maria a referência maior e o auxílio supremo. É que Maria pertence à Igreja, verdade que nem sempre parece ser valorizada. Ela faz parte do mesmo povo que nós. É o membro mais eminente da Igreja, mas não está fora dela.
O que é singular em Maria tem validade e, sobretudo, luminosidade para a globalidade da Igreja, O que Maria foi é o que a Igreja é convidada a ser continuamente. Para Cristo, Maria é a segunda Eva, aquela que restaura, pela sua obediência, o que a primeira havia corrompido pela sua desobediência; assim, ela é a verdadeira auxiliar da obra salvífica de Cristo e o “recetáculo” da Igreja, como lembra Santo Ambrósio.
A missão de Maria reside na sua maternidade. Ela é a mãe dos membros de Cristo porque, pelo seu dom de amor «contribuiu para que nasçam na Igreja os crentes». Os Padres conciliares quiseram retomar esta ideia ao afirmarem, na Constituição Dogmática Lumen Gentium: «No mistério da Igreja, a qual é também com razão chamada mãe e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente e único de virgem e de mãe», com Aquela que foi sempre de Deus, desde o seu primeiro instante, pela Sua Imaculada Conceição.
Portugal antecipou-se profeticamente à Igreja Universal quando há 375 anos o nosso Rei Dom João IV proclamou Nossa Senhora da Conceição, venerada aqui, em Vila Viçosa, Padroeira de Portugal, nas Cortes, a 25 de março de 1646. Já depois da morte do Monarca, o Papa Clemente X confirmou a 8 de maio de 1671 Nossa Senhora da Conceição como Padroeira e Rainha de Portugal, pela Bula Eximia Dilectissimi.
Estimados Irmãos, as nações sobrevivem à erosão do tempo e permanecem vivas na história dos povos se prosseguirem na fecundidade que lhes vem da sua espiritualidade e da sua cultura. A diluição espiritual e cultural de um povo significará inevitavelmente a perca da sua identidade e a sua fusão num hoje sem futuro.
A História de Portugal regista dois momentos altos na recuperação da sua independência: a Revolução 1383-1385 e a Restauração de 1640.
Na Revolução de 1383-1385 salienta-se o cerco de Lisboa, que durou cerca de cinco meses e terminou em princípios de setembro de 1384, acentuando-se durante o assédio, o significado da vitória alcançada por D. Nuno Alvares Pereira em Atoleiros a 6 de abril de 1384 e a eleição do Mestre de Aviz para Rei de Portugal, curiosamente a 6 de abril de 1385. Em 15 de agosto travou-se a Batalha de Aljubarrota, sob a chefia de D. Nuno Alvares Pereira, símbolo da vitória e da consolidação do processo revolucionário de 1383-1385.
No movimento da restauração destaca-se a coroação de D. João IV como Rei de Portugal, a 15 de dezembro de 1640, no Terreiro do Paço em Lisboa.
A Solenidade da Imaculada Conceição liga estes dois acontecimentos decisivos na História da independência de Portugal e no contexto das nações europeias. Segundo secular tradição foi o condestável D. Nuno Alvares Pereira quem restaurou o templo em louvor de Nossa Senhora do Castelo em Vila Viçosa e quem ofereceu a imagem da Virgem Padroeira, adquirida na Inglaterra. Este gesto do Contestável reconhece que a mística que levou Portugal à vitória veio da devoção de um povo a Nossa Senhora da Conceição.
A espiritualidade que brotava da devoção a Nossa Senhora da Conceição foi novamente sublinhada no gesto que D. João IV assumiu como já dissemos ao coroar a Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha de Portugal nas cortes de 1646, há 375 anos. Eis-nos em Ano Jubilar e festivo, com Indulgência Plenária, concedida pelo nosso querido Papa Francisco.
Esta espiritualidade imaculista foi igualmente assumida por todos os intelectuais, que na prestigiada Universidade de Coimbra defenderam o dogma da Imaculada Conceição sob a forma de um juramento solene.
De tal modo a Imaculada Conceição caracteriza a espiritualidade dos portugueses, que durante séculos o dia 8 de dezembro foi celebrado como “Dia da Mãe” e João Paulo II incluiu no seu inesquecível roteiro da Visita Pastoral de 1982 dois Santuários que unem o Norte e o Sul de Portugal: Vila Viçosa no Alentejo e o Sameiro no Minho.
Neste dia 8 de dezembro conclui-se também o Ano de S. José, proclamado pelo Papa no passado dia 8 de dezembro de 2020, pela Carta Apostólica “Patris Corde”. Um especial tempo que foi convocado pelo Papa Francisco em 2020 com a Carta Apostólica “Patris corde”, nos 150 anos da declaração de S. José como padroeiro da Igreja universal, feita pelo Papa Pio IX.
“Com o coração de pai: assim José amou a Jesus” – é desta forma que Francisco inicia a sua Carta sobre S. José num documento que sublinha várias dimensões da paternidade de S. José, tais como, a ternura, a obediência, o acolhimento, a coragem criativa e também a sua missão como trabalhador.
Para o Papa, S. José “nunca se colocou a si mesmo no centro” soube descentralizar-se, colocar Maria e Jesus no centro da sua vida”.
“A felicidade de José não se situa na lógica do sacrifício de si mesmo, ma na lógica do dom de si mesmo. Naquele homem nunca se nota frustração, mas apenas confiança. O mundo precisa de pais, rejeita os dominadores, isto é, rejeita aqueles que confundem autoridade com autoritarismo, serviço com servilismo, confronto com opressão, caridade com assistencialismo, força com destruição. Toda a verdadeira vocação nasce do dom de si mesmo que é maturação do simples sacrifício.
O Santo Padre propôs uma oração para ajudar os católicos a “encontrar em S. José um aliado, um amigo e um apoio” que aqui rezamos; tendo muito presente todos os pais:
«S. José, tu que guardastes a ligação com Maria e Jesus, ajuda-nos a cuidar das relações ma nossa vida.
Que ninguém experimente o sentimento de abandono que vem da solidão.
Que cada um de nós se reconcilie com a própria história, com aqueles que nos precederam, e reconheça inclusive nos erros cometidos um modo pela qual a Providência abriu o seu caminho, porque o mal não teve a última palavra.
Mostra-te amigo para aqueles que mais lutam, e como apoiaste Maria e Jesus nos momentos difíceis, apoia-nos também a nós no nosso caminho. Ámen».
Santuário de N. ª Sr. ª Conceição em Vila Viçosa
8 de dezembro de 2021
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora