O dia mundial dos Surdos celebra-se no último domingo do mês de setembro. Este ano (a 27 de setembro) os membros da comunidade surda de todo o mundo celebraram este dia, assinalado pela primeira vez em 1958. A semana que passou foi também a Semana Internacional dos Surdos. Estas datas servem para destacar as lutas da comunidade surda, ao longo dos tempos, pelo reconhecimento das Línguas Gestuais, pelo acesso à educação, aos cuidados de saúde e ao trabalho. Pelo direito dos Surdos a uma vida digna, autónoma e livre.

Mas esta altura foi escolhida sobretudo para recordar o fatídico Congresso de Milão, realizado por médicos e educadores no ano de 1880. A partir de então foi interdita a língua gestual na educação e na vida dos Surdos, obrigando-os a oralizar, como quem fala (pensemos por um instante numa criança que, nunca tendo ouvido a sua própria voz, é forçada a repetir sons, sendo punida e corrigida, à imagem do treino de animais amestrados no Circo, para logo entendermos a violência e perversidade desta doutrina do Oralismo). Apenas cerca de 100 anos mais tarde foi possível dar início ao processo de rejeição das resoluções de Milão, tendo os Surdos organizado, em Atenas, o seu primeiro congresso interrnacional para a emancipação da sua cultura e das suas línguas gestuais.

O acesso à Língua Gestual Portuguesa (LGP) por parte das pessoas surdas portuguesas é determinante para o seu desenvolvimento individual, para o relacionamento social, o acesso ao conhecimento, a construção da identidade, o sucesso escolar e profissional e o exercício pleno da cidadania. Esta é a sua língua natural. De acordo com a Constituição da República Portuguesa, no n. º2 do artigo 74.º «na realização da política de ensino incumbe ao Estado (…) proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades». Deste modo, desde 1997, a Língua Gestual Portuguesa passou a ser uma das línguas oficiais de Portugal, juntamente com a Língua Portuguesa e o Mirandês.

São gritantes as diferenças entre os Surdos que nasceram nos grandes centros urbanos ou que para aí se deslocaram para estudar e trabalhar, que puderam desenvolver a Língua Gestual Portuguesa, que participaram em movimentos associativos dinâmicos e aqueles que se mantiveram no interior, isolados e que não puderam socializar-se com os pares falantes da sua língua natural. Muitos vivem ou sobrevivem hoje, apartados da sua língua, excluídos da sua identidade surda, muito longe dos centros de decisão, esquecidos, por vezes enganadoramente integrados nas comunidades onde residem, cumprindo papéis sociais sempre à imagem da maioria ouvinte.

Uma sociedade mais atenta à diversidade e uma Escola verdadeiramente inclusiva, possibilitará o surgimento de líderes Surdos mais bem preparados, mais informados, que integrem as diferentes realidades dentro e fora da sua comunidade e que possam, assim, dar voz aos seus pares mais fragilizados.

Ricardo Niza,
Psicólogo
Associação de Surdos de Évora

pt_PTPortuguese

Partilhar

Caro leitor, partilhe esta notícia nas suas redes sociais.